Bolinhos e Bolinhós

Coimbra sempre ouviu cantar aos mais novos esta ladainha, na noite que antecedia o dia de finados : Bolinhos e bolinhós,/Para mim e para vós,/Para dar aos finados,/Que estão mortos e enterrados,/À porta da bela cruz, truz-truz. E eles prosseguiam se ela demorava a abrir: A senhora que está lá dentro,/assentada num banquinho,/faz favor, venha cá fora,/para nos dar um bolinho. Finalmente, se a oferta aparecia, assim concluíam: Esta casa cheira a vinho,/aqui mora um santinho. Porém, se ninguém dava resposta, logo vinha o reverso: Esta casa cheira a alho,/aqui mora um espantalho. Tal lembrança, de cariz eminentemente popular, ainda hoje se vai conservando na nossa cidade, não com uma grande participação e expresso conhecimento do que representa, mas com a imagem que faz recordar o que foram estas práticas. Na realidade, elas estão guardadas na memória de alguns dos seus habitantes que participaram, em criança, nestas iniciativas. É o caso, entre outros, de José da Costa, o conceituado comerciante do ramo de ourivesaria da nossa praça, nascido na Baixa, e o de Maria de Fátima, do Alto de S. João, hoje com 96 anos, que tão bem e saudosamente nos entoou aqueles dizeres. Actualmente, são meia dúzia de garotos que por aqui saem à rua naquela noite, por certo não à espera dos mesmos bolinhos de outrora, que tantas vezes eram feitos para lhes dar, a par de castanhas, figos secos e outras guloseimas, mas também de uns tostõezitos, hoje convertidos em euros. Desconhecendo-se de onde emana esta prática, sabemos, isso sim, que ela se insere, com diversas nuances, naquilo a que referimos ser o culto dos mortos, sendo a forma que acima transcrevemos, própria de região de Coimbra, enquanto outras, neste mesmo tempo, mas em locais diferentes, tomaram outras designações e práticas, nomeadamente O Pão por Deus e Bolinhos, Bolinhos em honra dos Santinhos. Relativamente à forma como os grupos se apresentavam, havia sempre uns tantos elementos que levavam as chamadas caveiras à frente, que não eram mais que umas caixas de sapatos com buracos que simulavam os olhos, o nariz e a boca, iluminados por uma vela colocada no interior. Outros eram portadores de umas sacas onde metiam aquilo que lhes davam e depois repartiam. Em zonas rurais usavam-se muitas vezes as abóboras para fazer as caveiras que, sem qualquer outra intervenção, eram simplesmente poisadas, noite fora, nas encruzilhadas e à beira dos caminhos, numa alusão à morte. No que a Coimbra diz respeito, como seria interessante e fácil manter aqui os Bolinhos e Bolinhós! E, por certo, muitos de nós cá estaríamos para colaborar nessa iniciativa!
António Castelo Branco
