FAZ HOJE ANOS

O Quim Reis desafiou-me e eu, sempre pronto, acedi.

Ele namoriscava uma moça da terra da avó dele e queria ir até lá para estar com ela.

Tarei era a terra próxima de Vila da Feira onde teríamos que nos dirigir.

A dormida não seria problema, garantiu-me o Quim Reis. Ficaríamos uns dias em casa da avó, uma vivenda grande e antiga de rés-do-chão e primeiro andar. Quanto à viagem teriamos que a fazer à boleia pelo que, para a facilitar, convinha que fossemos de capa e batina.

E assim fizemos. Saímos do bairro e postámo-nos ao pé da Estação Velha.

Depois de três boleias diferentes, lá chegámos a Tarei.

As vindimas tinham ocorrido uns dias antes pelo que na manhã do dia seguinte, fomos convidados para irmos provar o vinho “monstro”, corruptela popular para designar o mosto.

Era um liquido dulcíssimo, obtido após a fermentação inicial, em que a quantidade de açúcar ainda elevada e não completamente convertida em álcool lhe dava um travo agradável ao paladar, encorpado, quase mastigável.

Já não me lembro de quantas adegas visitámos. Pareceria mal não retribuirmos a simpatia dos convites, razão pela qual em todas bebíamos um ou dois copinhos do néctar.

À tarde, regressados a casa, as tripas começaram a revolverem-se, pois que o vinho “monstro” provoca desarranjos intestinais segundo nos explicou serenamente a avó do Quim.

Depois de sucessivas correrias para a casa de banho até ao anoitecer, a juvenil idade ajudou a restabelecer a normalidade. E ainda bem, porque nessa noite estava programado no terreno fronteiro à casa, um bailarico para assinalar o fim das vindimas.

Ao som de uma concertina, um bombo e um violão, os convidados dançaram freneticamente as modas que os músicos iam tocando.

O Quim com a sua namorada.

Eu, com a criada de servir da casa.

Mau grado o calor, e porque outra roupa não tínhamos levado connosco, dançámos vestidos de capa e batina.

A minha parceira de dança e eu, que os calores do tempo e da juventude incentivavam, enrolávamos os corpos colados num misto de alegria e desejo.

A certa altura, a rapariga, certamente convencida, pelo traje que usávamos, que nós eramos seminaristas, segredou-me:

- Você, para padreco, é muito atiradiço...

Rui Felicio