O ALDRABÃO

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É uma imagem que inexplicavelmente nunca saiu do topo da lista infindável de recordações da minha memória. Ainda rapazinho, ficava hipnotizado a vê-lo...

O homem empoleirado no pequeno palanque montado na Praça Velha, perto das escadas do Aeminium.

A mulher, bem aviada de carnes, a seus pés, de olhar atento ao mais leve sinal de interesse no meio da pequena multidão que se ia juntando a ouvir o pregão do vendedor de banha da cobra.

Num cesto redondo de ráfia, uma cobra enrolada dormitava...Era dela que a banha era extraída e empacotada, explicava o vendedor, cuja lenga-lenga ininterrupta era debitada em vozeirão estridente que ecoava em toda a Praça.

Na sua mão, um pacote de cartão com coloridos dizeres, cheio da massa milagrosa.

Ele enumerava os prodígios que tal remédio providenciava a quem sofresse de artrite, dores nas costas, lumbago, ciática, nefrites, males de amor, taquicardia, maus olhados e um sem número de maleitas que abarcavam quase na totalidade os catálogos de doenças dos canhenhos de medicina e outras que nem sequer deles constavam.

E dava exemplos:

- É que Vocências têm dor de dentes, mas os dentes não doem. O dente é osso e osso não dói. O que dói é o nervo...

As pessoas ao princípio riam-se do “aldrabão”, mas aos poucos o fiel da balança inclinava-se a seu favor e a multidão substituía o sorriso de escárnio pelo assentimento afirmativo da cabeça, pelo murmúrio de concordância ainda envergonhada...

Certo de já ter o público na mão, o “aldrabão” partia para a 2ª fase:

- Não custa vinte escudos, meus Senhores, nem custa dez!

- Para a selecta gente da cidade dos doutores, também não custa cinco! Custa apenas vinte e cinco tostões… que eu hoje quero é despachar a mercadoria para não a levar comigo para o Tibete onde vou buscar mais um carregamento.

- Aquele Senhor ali duvida, mas olhe que é lá que a banha da cobra é tratada segundo uma fórmula que se mantém secreta há mais de mil anos.

- Comprem meus Senhores e minhas Senhoras!

- E enquanto eu vou à frente a receber o dinheiro… a minha mulher vai atrás a distribuir e a dar o pacote…!!

- E quem comprar um leva dois de graça...

Rui Felicio