O CHAPÉU DE CHUVA

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            A chuva caía miúda, constante, fria. Parada no tempo. Cinzento. Indiferente. Nada era bom, bonito, alegre. Noutro lugar do mundo o sol brilharia, as cores refulgiriam e os sorrisos voariam, soltos pelo ar. Mas aqui a tristeza, o vazio. Carregava em mim todos os pesos do mundo.

            O chapéu de chuva seguia-me. Presente, protetor. O caminho fazia-se lentamente. Nas minhas costas dezenas de pares de olhos concentrados em mim. Dezenas de pensamentos na minha direção. Adivinhava-lhes as reflexões. As de cada um. Deve ser assim que se sentem as estrelas de cinema. Mas em bom. Sabia que em breve todos esses pares de olhos esqueceriam a comiseração do momento.

O desenho da calçada portuguesa no chão apresentava-se sujo e molhado. E o chapéu de chuva por cima da minha cabeça. Protegendo-me dos olhares cravados em mim. O caminho fazia-se em silêncio. O silêncio asfixia todos os barulhos. O silêncio de dezenas de passos. Atrás de mim, seguindo-me como se eu pudesse conduzi-los a um destino específico. Pendentes do meu ritmo, do meu rumo, das minhas emoções por soltar. E o chapéu de chuva protegendo-me, criando um muro para lá do qual as emoções esperavam a solidão.

            Concentrada no ruído das rodas sobre o empedrado, mordi as lágrimas que o chapéu de chuva teria, no entanto, escondido. As lágrimas que não choradas ninguém me perdoaria. Segui-o consciente de cada movimento, de cada som…

            Sabia que a vida me estava a virar do avesso, mas ainda não tinha descoberto que o avesso é o meu lado. Os pensamentos estavam demasiado desarrumados. Nos olhos vivia-me a vida passada. A minha vida suspensa, à espera de ser reescrita. Eu a crescer com o golpe duro da vida e com o teu toque suave na minha alma.

 

            Décadas de minutos mais tarde, um cemitério de dores ficava para trás. E o teu chapéu de chuva protegendo-me, enquanto te via desaparecer no espelho retrovisor…

Arte -Renoir  Lombrelle 1878

 

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