UMA NARRATIVA FILOSÓFICA

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 Ele era bom rapaz. Mas teve o azar de se apaixonar por uma estudante finalista de Filosofia.

A princípio, convenceu-se de ter aterrado numa paisagem de tipo lunar, toda cheia de buracos, como um queijo de tipo gruyère. A questão era que não a conseguia entender. Num dos primeiros dias de namoro tinha-a convidado a ir ao cinema e ela respondera-lhe : - " Não posso, porque estou em epoché" . E quando ele, carente e lamentoso, lhe pediu para se explicar melhor, ela abespinhou-se e replicou : " Um namorado meu não saber o que é a epoché ? Tenho de rever este compromisso".

Ele ficou triste , mas conformou-se. Comprou um "Dicionário de Filosofia" , mas aquilo pareceu-lhe uma linguagem próxima à dos abexins.

Noutra ocasião, marcou com ela um fim de semana num alojamento rural. Na viagem, ela confidenciou-lhe : - Estou a achar isto demasiadamente prosaico. Esta imanência colide com o meu desejo de transcendência. Ele aí, compreendeu melhor e levou-a à missa. Mas ela nem sequer quis entrar e atirou-lhe o seguinte repto : - Será que o meu Amigo desconhece a obra capital de Feuerbach ?

Foi então que ele confundiu tudo e a fez desesperar. Confundiu Bach com Feuerbach e quando entraram no concerto, depois dele ter feito segredo desse destino musical, para lhe fazer surpresa, verificou que ela desatara a rir, arengando : - Tenho um namorado deplorável, que nem sequer conhece o imperativo categórico de Kant ...

Ele, julgando que a namorada lhe estava a chamar mole, decidiu começar a berrar , em estado próximo da apoplexia.

Foi então que ela opinou: - O que tu estás a precisar é da ataraxia dos estóicos.

Não aguentou mais. Rompeu logo ali o namoro e casou passado três semanas com a dactilógrafa lá do escritório. São felizes e entendem-se. Graças ao Motor Imóvel de Aristóteles, está visto.

Amadeu Homem