A COIMBRA DOS URINOIS

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Era um ponto de referência, sentinela limítrofe do território do bairro, perfumava o local de forma indelével, avisando os passantes, pelo odor, da proximidade da linha da Lousã para quem subia ou do sinaleiro para quem descia. Era o urinol do Calhabé.

Mas era um urinol sem arte, nem dignidade. Uma casinhota de cimento mal acabada, com uma exígua passagem de acesso para o seu interior...

Do lado oposto à entrada corria a céu aberto uma vala pestilenta por onde deslizavam os esgotos provenientes das casas mais antigas do Calhabé, da Fonte da Cheira, do Chão do Bispo, da Casa Branca, e cujo caudal engrossava mais à frente na travessia da Arregaça, até desaguar mais longe nas impropriamente chamadas doces e claras águas do Mondego.

Os homens que o utilizavam despejavam os seus fluidos urinários directamente na vala que serpenteava no meio de denso canavial.

O plebeu urinol do Calhabé em nada se comparava, porém, a alguns outros de traça artística e rebuscada que o inefável Presidente Moura Relvas mandara espalhar pela cidade.

Recordo-me de um que existia na Praça da República e de outro no Largo da Portagem.

Ambos eram constituídos por uma armação metálica circular, artisticamente encimada por recortadas ameias, que procuravam dar-lhe a dignidade que um local destes nunca poderá ter.

Entrava-se por um anteparo arredondado que conduzia a uma enorme pedra de lousa contra a qual directamente se urinava. Quem passava do lado fora via perfeitamente a parte inferior das pernas dos utentes e a chuva líquida e ácida que constantemente pingava para o chão.

A meia altura da armação havia, no interior, um cano horizontal com diversos orificios pelos quais eram projectados esguichos de água contra a pedra, lavando-a...

A água, misturada com a urina, escorria pedra abaixo, caindo no chão para um canal que conduzia a mistura para as profundezas do pavimento.

Com o tempo, no entanto, a pedra de lousa ia se deteriorando e apareciam buracos, primeiro pequenos e grandes depois.

Sucedia então que boa parte da urina e da água em vez de escorrerem directamente para o chão, esguichavam e salpicavam para o lado de fora, atingindo quem, inadvertidamente, passasse mais perto do urinol.

Corria por isso uma quadra, que recolhi do livro “À Mesa d'A Brasileira” de Alberto Vilaça, editada por Calendário de Letras em Dezembro de 2005 :

 

Isto não é urinol!

É uma coisa indecente...

Pois nós não mijamos nele,

Ele é que mija na gente!

Rui Felício