A FILOSOFIA DA MOLÉCULA (Recordando o ALBINO BARBEIRO)
Aos domingos, de maleta de instrumentos na mão, anunciava a sua chegada ao Bairro, apregoando bem alto:
- Preparem-se ! Vai faltar a água !
Nas primeiras vezes, gerava-se um burburinho entre as mulheres, afogueadas, a encherem baldes de água antes que ela faltasse.
Mas agora já ninguém ligava. Não ia faltar água nenhuma.
O pregão não era mais que o cartão de visita do Albino Barbeiro que calcorreava as ruas do bairro, esperando que os candidatos fossem aparecendo para o corte de cabelo que executaria com mestria numa cadeira montada no quintal da casa do cliente.
O Albino era mais do que um barbeiro ao domicilio, especialista na tosquia de crianças e adultos.
Era um cantor e um filósofo.
Ora cantando as modas em voga, ora filosofando, nunca se calava enquanto ia desbastando à tesourada as melenas dos compenetrados clientes.
Nunca esqueci, numa dessas sessões a que me submeti ainda miúdo, a teorização que ele fazia, aproveitando a presença do meu pai como ouvinte e cliente seguinte.
O Albino intitulou a sua teoria, de Filosofia da Molécula.
Nós somos só química, dizia ele.
Um composto de moléculas que se agregam e desagregam à velocidade do tempo que dura uma vida.
Hoje somos homens, amanhã árvores, ontem fomos pedra, antes fomos animal.
Quando as moléculas se desagregarem e depois se agregarem novamente, há-de chegar o dia em que voltarei a ser homem.
E, quando assim for, segundo a lei das probabilidades, serei rico que é combinação que as moléculas até hoje ainda não fizeram.
Fotos gentimente cedidas pela filha Maria de Lurdes Magno
Rui Felicio