Ao Rui Avelar, na hora da mudança

rui-avelar.jpg

17 de Maio 2019

 

Tudo, como aprendi na vida, tem o seu tempo, a sua estrada, a sua passagem e a sua época.

 

Mas já? Pensaria que mais tarde. Estava convencido que te disporias a fazer mais uma perninha. O cansaço mina. As desilusões de uns quantos… ainda mais. E dói sentir que nos deixam por termos traçado o perfil da verdade e da justiça social e humana, como tu o fizeste. Nesta hora partes, com e de consciência tranquila. Como te compreendo…

 

Esta anunciada saída do jornalista Rui Avelar é o fecho de um ciclo. Não admira a tua retirada. Estás a fazê-lo em e a tempo de, ainda com idade, ir descansar da intensa labuta, de te dedicares aos teus, de te motivares para tarefas que possam contribuir para nos trazeres “estórias” da tua vida de um jornalismo abundante, criterioso e de elevada intervenção.

 

Um jornalismo sem rédeas. Solto, independente, humano, prosaico em narrativas que prendiam e arrimado numa forma abundante de, e como se diz na gíria da comunicação social, cavar a notícia ou de descobrir factos e casos, através de investigação, que pudessem verter reportagens ou/e artigos de opinião ou comentários. Também, e com uma apurada vontade de esmiuçar a informação e de um elevado sentido profissional, soubeste carrear a denúncia de casos flagrantes, de trazer a notícia fresca, de rematar com uma opinião sentimental e com textos imbuídos de um espírito irreverente, próprio de uma academia, a de Coimbra, a cidade que adoptaste como tua. Mas nunca, e por nunca, te esqueceste das tuas raízes.

 

Rui: praticaste, durante umas quatro décadas, no mundo do jornalismo um estilo, o teu. Foste contundente, sem canga e sem medos. Mas buscaste, nalguns lugares de um provincianismo bacoco, certos azedumes, olhares malvados, diálogos acessos e o assento de alguns inimigos de estimação. Tiveste a sagacidade de criar um leque de amizades sólidas, sádias e de proximidade. Só com um interregno por uma passagem, em Lisboa, onde assessoraste o saudoso Fausto Correia na missão que exerceu, a nível de Governo, te retiraste do meio jornalístico.

 

Conheci o Rui no final do ano de 1979, quando entrou para o “Diário de Coimbra”, no qual já labutava iam uns meses.

 

Tinha estudado no liceu de D. Duarte. Era alto e esguio. Vinha dos lados de Penela. Apresentava-se, como quem vem de um lugar rural, com a disponibilidade para aprender, de humildade no braço – qual pasta estudantil universitária – e com a simplicidade estampada nas vestes e no rosto. Convivemos, apesar do pouco tempo em que me demorei pelo jornal, numa relação de franqueza, e de lealdade pessoal e profissional.

 

O Rui, cedo se manifestou atento, crítico, investigador, apostado numa escrita denunciante do que, e para ele, era a continuidade da aprendizagem do seio familiar, onde a seriedade dos actos e a palavra que chancela a vida se arrimava ao mais puro da verdade.

 

Viria a encontrar o Rui, anos mais tarde, durante a tal passagem que ele fez por Lisboa, por volta dos anos de 98/99 do século passado e mais uns dois ou três anos, já deste, o XXI. Visitava-me com alguma frequência num bar que geri, no Parque das Nações, o “República de Coimbra”, onde gostava, ao final da tarde, uma ou outra vez, de se ir refrescar com uma Topázio ou com uma Onix. Na altura, na capital, era o único espaço que disponha dessas tradicionais e emblemáticas marcas de cerveja da antiga Fábrica de Coimbra.

 

Voltámos a encontrar-nos uns 15 anos, mais além.

 

Percebi-lhe o percurso, pós o seu regresso de Lisboa. Nada fácil, mas decido e a pulso, voltou a subir as escadas do jornalismo e, em Coimbra, de novo, fez-se a essa causa com devoção e com uma vontade determinante de não se deixar apoquentar pelos ditos e pelos mexericos. Ele sabe, quanto eu e outros mais chegados, lhe deixámos, em ocasiões difíceis, a palavra de conforto e o estímulo suficiente para avançar no seu ritmo e no seu percurso… Aliás, o director Lino Vinhal espetou-o no seu editorial de despedida ao Rui, que, e como qualquer outro ser humano teve, também, falhas. No entanto, aqui e acolá, acossado por gente danada, medíocre, safada e comprometida com ideologias passadistas e/ou cravadas com o desplante dos poderes, não lhe resistiu e apostou em descarregar, contra ele, discursos de escárnio de maldizer…

 

O Rui nunca foi de falas mansas, de encaixar arrestos de recados, de se deixar intimidar pelos senhores de uma cidade e de uma região que se arvoram de “reis” disto tudo… Foste voz, foste escriba dos indefesos, foste luz para os que precisavam de sol, foste arauto das causas nobres e foste defensor de Coimbra e da zona Centro, arredando espinhos, para isso… Alguns custaram-te tristezas e desencantos pessoais. Não vacilaste. Mantiveste-te igual ao tempo em que te conheci. Agora, na idade do descanso e de dormir o sono tranquilo, partes com a cabeça erguida…

 

Na hora da despedida, a do Rui Avelar, do meio jornalístico, de uma forma mais efectiva e profissional, porque o “bicho” continuará a corroer-lhe corpo abaixo e acima, aproveito para te deixar duas mensagens: a minha gratidão pelo convívio da profissão, sempre de uma maneira amiga e fraterna; e os desejos que saibas encontrar tempo para, reunindo recordações, vertes para o papel as vivências de um espaço de jornalismo que vivestes em intensidade e com a certeza do dever cumprido.

 

Abraço de uma amizade de sempre e cheia de episódios.

 

(in "Campeão das Províncias, António Barreiros)