História de Vida

Carlos-Ferrao2.png

João D’Oliveira Penha Fortuna, que ficou conhecido nos meios académicos como João Penha,  chegou a Coimbra em 1864, para frequentar a Faculdade de Teologia, que depois abandonou, mudou-se para Direito onde se forma em  1873. Em 1868, fundou A Folha, periódico literário, que dirigiu até à conclusão do curso. Tinha como colaboradores poetas e prosadores do seu tempo, um deles, Gonçalves Crespo, que consigo habitava em casa das bondosas Senhoras Seixas no nº 97 da Couraça de Lisboa onde tinham um ambiente familiar e que lhe agradava.

João Penha, foi um dos mais notáveis poetas do seu tempo, ninguém o excedia na elegância da forma, na vernaculidade, na correção artística do verso. Compôs sonetos, que são verdadeiras obras primas, joias de alto valor.

Talentoso, de espírito brilhante, original e vivo, tinha ditos de suprema graça e compunha versos de superior encanto onde a ironia voeja alegremente, picante e viva, por vezes pungente e cruel. No soneto, era mestre, e como mestre foi sempre tido pelos poetas da sua notável geração académica.

Quem na academia escrevia poesia ou prosa não passava sem lhe mostrar, ia lá a casa,  apenas entregar-lha; e ele depois a restituía com as suas correções, singelamente, acrescentando antes um gesto, um sorriso de incitamento às esperanças do neófito do que  qualquer dissertação oral.

Um “gentleman” que também o era na sua figura. Não saía sem o seu chapéu de côco e luva branca, gravata e sobre o sapato um polainito.

Tímido nas aulas, como em público que contrastava pasmosamente com a cintilação crepitante da sua conversa na roda íntima dos seus amigos.

Quando confinado ao seu quarto, era um meticuloso estudante, paciente manuseador de todos os códigos, tarefas que faziam parte da sua atividade madrugadora.

As noitadas até de madrugada, transfiguravam-no!

As excentricidades da vida exterior tornavam-no num chefe de boémia, que pelas suas estroinices, as suas boémias, as suas pandegas, o seu esturdiar pelas ruas e praças do velho burgo académico, deixaram renome.

Frequentador noctívago do Homem do Gás, da Tia Maria Camela, do Varão de Luxemburgo e do Conselheiro Rodrigo.

Foi famoso um duelo celebérrimo, em verso, travado entre João Penha e Guerra Junqueiro, na taberna do Homem do Gás na cidade baixa. Na cal da parede da taberna, João Penha, escreveu uma quadra em que Guerra Junqueiro era ferido, mas não  respondeu ao primeiro ataque. Ao segundo não perdoou e assim se seguiu uma sequencia de versos hostis de parte que serviram de alimento para gerações vindouras.

Dizia-se apreciador de toda a poesia, desde que fosse boa, sendo muito mais limitado no gosto por bebidas. Dizia-se só ser apreciador de duas espécies de bebidas – as nacionais e as estrangeiras… e é ao vinho que dedica os impecáveis  sonetos “Vinho e fel” de várias métricas e de várias rimas relevando a sua enorme veia satírica.

É neste ambiente vinícola  e ainda em ambiente académico, que vamos completar as vivencias de João Penha na cidade do Universitária. Um dia João Penha comprou, um manjerico cheiroso, que se ostentava orgulhosamente no seu vaso de barro vermelho na janela do seu quarto, virada ao Mondego. De que se havia  de lembrar o poeta  - de o regar com vinho. De começo, o manjerico arredondou-se e medrou a olhos vistos! Passados, porém, os primeiros dias de bebedeira, o pobrezinho entrou de murchar, de estiolar-se e de enfraquecer, a tal ponto, que era de causar dó. – É isto!... - dizia João Penha aos seus amigos, fitando, através do monóculo, o manjerico encharcado de vinho.

- Bebeu de mais, morreu!...

João Penha faleceu em Braga, sua terra Natal, em fevereiro de 1919, com oitenta anos de idade. Acometeu-o a doença e assaltou-o a miséria!

Carlos Ferrão