O CORNO, A ALCOVITEIRA E O AMANTE

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A Joaquina pelava-se por cirandar pela baixa de Coimbra, a meio da manhã, de cesto de verga na mão, lenço florido na cabeça, bamboleando o corpo de mulher madura ainda atraente e cheio de promessas que os olhares masculinos cobiçavam.

 

Na Rua do Corvo, entrava numa loja, espalhava os mexericos do dia, saia e entrava na loja seguinte e nas outras, uma por uma.

Dali seguia para a Visconde da Luz, Ferreira Borges, noticiando as últimas em cada loja, em cada café, até na farmácia.

 

Quando virava costas, os comerciantes e empregados sorriam e exclamavam uns para os outros:

- Lá vai a alcoviteira. Sem ela a Baixa não seria a mesma coisa.

 

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Morava na Travessa das Canivetas no 2º andar de um velho prédio, sem filhos, casada com o Henrique, ferroviário da CP, homem trabalhador e por todos respeitado.

 

Naquele dia, a Joaquina trazia uma notícia bombástica:

A D. Teresa, mulher do Sr. Dias andava a ser enganada pelo marido, asseverava ela.

- Coitada da Senhora, lamentava a alcoviteira, abanando a cabeça pesarosa.

O empregado do Jorge Mendes, com as mãos espalmadas em cima do balcão de madeira não se conteve:

- Desculpe lá D. Joaquina, não acredito. O Sr Dias é um comerciante impoluto, toda a gente sabe que ele jamais faria uma coisa dessas. De resto, toda a gente vê a maneira carinhosa como ele trata a D. Teresa.

 

- Alguma vez lhe menti? Reagiu a Joaquina com ar ofendido.

E, de facto, ela tinha a certeza absoluta do que dizia.

Como mais adiante se verá.

 

 

O empregado não respondeu à pergunta, preferindo reforçar a sua opinião de que o Sr. Dias era um homem sério, trabalhador como poucos.

- Toda a gente sabe que se levanta de madrugada para preparar a abertura matinal da sua loja de fazendas da Rua da Louça.

 

A Joaquina saiu, com má cara, e foi pregar para outra freguesia. Mas desta vez, a reacção de todos era a mesma. Não, não podia ser. O Sr. Dias, conceituado comerciante de Coimbra não era infiel à D. Teresa. A alcoviteira estava a passar as marcas...

 

Voltou para casa, para preparar almoço para o marido e uma lancheira com o jantar.

O Henrique, como de costume, tinha de apanhar o comboio da tarde para Lisboa.

Já em Santa Apolónia abria a marmita, jantava calmamente e entrava no comboio que partiria as 23,00 com destino ao Porto.

Era o comboio conhecido como o “recoveiro “...

Parava em todas as estações e apeadeiros para carregar e descarregar mercadorias e correio.

O Henrique era o auxiliar que ajudava à trasfega.

 

Depois da lenta e demorada viagem, chegaria a Coimbra pelas 7 da manhã, onde desembarcava depois de ser substituído por um colega que, vindo do Porto, aguardava pelo “ recoveiro “ para fazer o resto do percurso.

 

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Entretanto o Sr. Dias tinha passado a madrugada num quartinho anexo à sua loja da Rua da Louça, com a sua amada Joaquina.

Quando o corno, coitado, chegava a casa pelas 7,30, já a alcoviteira dormitava na sua cama da Travessa das Canivetas...

Rui Felicio