OLHARES DE COIMBRA

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Foi há muitos anos, fins de Maio..., mas não esqueço... Meio da tarde, sol abrasador, entro no Mandarim para saciar a sede.

Logo que entro, em frente, reparo numa miúda sozinha numa mesa com um copo de laranjada à sua frente. Procuro um lugar do lado oposto e peço um fino.

Observo que a sala estava quase cheia, muitos de capa e batina, livros espalhados pelas mesas. Ela contrastava pela quietude, pela calma, pelos olhos verdes, melancólicos. Enquanto aguardo para ser atendido, tento evitar, mas não consigo resistir a procurá-la com o olhar, por entre a azáfama constante de estudantes a entrar e a sair. Quando os nossos olhares se cruzaram, dissimulámos ao mesmo tempo. Ela desviou o olhar em direcção à parede como quem admira os azulejos do Vasco Berardo, e eu a partir desse momento, encantado com a beleza do seu rosto não consigo mais desviar, embora disfarçando, o meu olhar da sua direcção.

Por várias vezes os nossos olhares se cruzaram.

Criou-se entre nós uma emoção incontida da qual eu e ela éramos cúmplices, sem que mais ninguém o soubesse. O tempo foi passando, quando de repente chamou o empregado e pediu a conta. Ficou em pé, junto ao balcão, esperando pelo troco, entre o sol que entrava pela porta e o meu olhar. Observo a sua silhueta perfeita, coada pela luz solar, sob um vestido leve que contornava as suas formas e parecia acariciar-lhe o corpo. O cabelo dourado reflectia os raios do sol. Com delicadeza e elegância dirige-se para a porta, corre o olhar deixando-o fixar-se por um segundo no meu e sai. Lentamente desaparece na rua...Permaneço no meu lugar, estático, indeciso, a pensar no sublime momento acontecido. Outras pessoas foram chegando, mas já não havia motivo para eu permanecer ali. Saí também. Corri a Praça da República com o olhar, a Sá da Bandeira a Tenente Valadim, mas nem rasto dela...

Uns meses depois vi-a na Praça 8 de Maio a um domingo de manhã...Vinha acompanhada da sua irmã gémea e de um casal que pareciam ser os seus pais, a sair da Igreja de Santa Cruz. Uma das gémeas olhou-me, sorriu levemente… Era ela, porque a outra nem me notou… Durante algumas semanas fui à Igreja de Santa Cruz, ao domingo, mas nunca mais a vi. Até hoje...

Mas não esqueço...

Painel do Café Mandarim - Vasco Berardo

Rui Felício