Caminhos cruzados
Querida D.
Finalmente encontrei-o! O desenho que me deste, naquela manhã de verão. Aquele que pintaste com as cores do céu e no verso do qual imprimimos com sangue as pontas dos nossos indicadores.
Há quantos anos o procurávamos? 45. Desde que retomámos pela primeira vez a amizade nunca perdida. A primeira de tantas, tantas zangas!
Apesar de sermos amigas desde sempre – lembras-te de ti sem mim? -, aquele dia definiu o resto das nossas vidas. Jura de amizade eterna pela manhã, ódio eterno pela tarde.
Uma vida inteira de amor e ódio. E estas cartas que nos continuamos a escrever, apesar de já ninguém escrever cartas.
12 anos e uma amizade de 6 quase destruída por causa de um rapazelho cheio de borbulhas, cabelo oleoso e um gosto extraordinariamente duvidoso no que respeita à arte de seduzir raparigas.
Guardámos bilhetes, desenhos e fotografias. Mas, nenhuma de nós se atreveu a deixar-se namoriscar pelo fedelho que, convenhamos, rapidamente nos substituiu pela ruiva da casa amarela.
Fui eu que cedi. Enviei-te um desenho de nós duas deitadas na areia e um bilhetinho onde escrevi: “Amigas. Sim ou não?” Devolveste-mo com um sim gigantesco que rabiscou todo o meu desenho.
E assim inaugurámos este hábito de nos escrevermos. As cedências aos nossos – sobretudo teus – caprichos também se manteve. Quantas vezes nos zangámos e quantas retomámos esta amizade? Nunca mais por uma paixoneta partilhada, mas muitas por causa de homens. Tiveste sempre mau dedo para os escolheres.
Tantas recordações de nós! O tempo passa, voa...
Como eu queria ser tu! Escritora reconhecida, premiada... Vivi sempre na tua sombra, sem sentir o sol no meu rosto, sempre um passo atrás de ti, deixei-te brilhar. O vento debaixo das tuas asas, fiz-te tocar o céu, fui a força da tua glória.
Da última vez em que voltaste – voltamos sempre -, confessaste-me que sou a tua heroína e tudo o que gostarias de ser.
Sinto a tua falta sempre. És o meu caminho.
PC