Carta de ANA GOMES - versão portuguesa

Ana-Gomes.jpg

Caros,

Pierre Moscovici, Comissário para os Assuntos Económicos e Monetários

Valdis Dombrovskis Vice-Presidente responsável pelo Euro e Diálogo Social, Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capital

Corina Creţu Comissária para a Política Regional

Margrethe Vestager Comissária para a Concorrência Bruxelas,


Bruxelas, 25 de Janeiro de 2019

Prezados Comissários,

Envio, em anexo, informação recentemente publicada pelos media portugueses sobre o último escândalo que está a abalar a opinião pública em Portugal. Relaciona-se com os bancos Caixa Geral de Depósitos (CGD), que é detido pelo Estado, e Novo Banco (NB), sucessor do falido Banco Espírito Santo, com 75% das acções vendidas em 2017 pelo Governo ao americano Lone Star Fund.

Os media portugueses tiveram acesso ao relatório de uma auditoria levada a cabo pela Ernest & Young, de acordo com a qual os prejuízos do CGD atingem os 1200 milhões de euros, em resultado de cerca de 40 créditos de alto risco, que foram concedidos entre os anos de 2000 e 2015.

Apenas um destes empréstimos por reembolsar atinge o valor de 500 milhões de euros!

O relatório indica que, em alguns casos, sucessivas direcções da CGD deliberadamente ignoraram os pareceres dos departamentos de controlo internos, enquanto noutros casos esses pareceres nunca foram solicitados.

Isto indica que vários gestores de topo da CGD contribuíram activamente para a criação de prejuízos ao deliberadamente concederem créditos com pouco ou deficiente colateral.

De notar que os contribuintes portugueses já pagaram 5,7 mil milhões de euros para resgatar a CGD. Embora a maioria dos portugueses (incluindo eu própria) defendam que a CGD deve permanecer sob o controlo do Estado, não podem aceitar a opacidade que protege gestores corruptos ou incompetentes e criminosos beneficiários de elevados empréstimos por reembolsar, assim lhes proporcionando impunidade.

A lista dos maiores devedores responsáveis pelo crédito malparado da CGD passou agora a ser do domínio público, contrariando vigorosos esforços da direcção da CGD e do Governo para impedir a sua divulgação, recusando mesmo submetê-la ao Parlamento português, chegando a recorrer a decisões judiciais para esse fim.


Envio-vos essa lista pedindo que:

1a. Indiquem ao Governo português que deve agir de forma a que todos estes grandes devedores, sejam eles indivíduos ou empresas, reembolsem os créditos malparados e que assegurem que os anteriores gestores da CGD sejam processados pelas responsabilidades em gestão criminosa e fraude em relação aos fundos da CGD, do Tesouro e dos contribuintes;

1b. Assegurem que nenhum dos indivíduos ou empresas responsáveis pelo crédito malparado beneficiem, agora e no futuro, de qualquer projecto financiado pela UE.

2. Foi recentemente anunciado em Portugal que o Novo Banco (NB), muito embora tenha sido vendido ao Lone Star Fund, este ano irá necessitar de uma injecção de dinheiros públicos no valor de 800.000 euros devido a créditos e imobiliário registados como activos e que foram erradamente sobrevalorizados pelos peritos contratados pelo Banco de Portugal (entre os quais, estranhamente, o ex-Secretario de Estado do Tesouro Sérgio Monteiro).

De notar que a “resolução” do BES já consumiu o montante de 8 mil milhões de euros em dinheiro dos contribuintes, pese embora a privatização entregue ao Lone Star Fund. Sucede que a entidade que sucedeu ao BES, agora designado Novo Banco, recusa divulgar os nomes dos seus principais devedores, invocando regras de sigilo bancário.

Mais uma vez, esta estratégia de opacidade tem por objectivo garantir impunidade aos criminosos que geriram e roubaram o BES – e realço que o ex-CEO Ricardo Salgado e todo o seu gangue se passeiam livremente, sem terem sido detidos, mesmo que preventivamente. Realço também que nada tem sido feito até agora pelo NB ou pelo Estado português para recuperar os bens que pertenciam ao BESA (BES Angola) – que remontam a mais de 3 mil milhões de euros – entretanto integrados de forma fraudulenta, transferidos e apropriados pelo novo “Banco Económico” de Angola.

Acresce que nada se sabe ainda do andamento da investigação judiciária requerida pelo ex-Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, relativamente ao escândalo do “apagão fiscal”.

Através deste esquema, operaram-se transferências sobretudo do BES, mas também de outros bancos, para o Panamá e outros paraísos fiscais,num total estimado em cerca de 10 mil milhões de euros, sem qualquer controlo contra o branqueamento de capitais ou de evasão fiscal, durante os anos de 2011-2015, mesmo depois de o BES estar sob investigação pelo Banco de Portugal.

Os portugueses têm direito a saber quem são os criminosos, de os levar à Justiça e a recuperar tanto quanto for possível de tais fraudes bancárias massivas e organizadas, tanto mais porque estão a pagar o resgate do sector bancário em mais de 17 mil milhões de euros, para além de outros custos e sacrifícios que continuam a arcar.

Insto-vos, por isso, a:

2a. Exigir que o NB divulgue a sua lista de créditos malparados e principais devedores;

2b. Indicar ao Governo de Portugal que deve divulgar o contrato de venda das acções do NB ao Lone Star Fund, para se escrutinar devidamente a sustentabilidade das suas estipulações;

2c. Assegurar que Portugal dedica os recursos apropriados para levar por diante uma linha de investigação rápida aos crimes do BES/NB, que detenha os principais responsáveis, tais como Ricardo Salgado e o seu bando, e que imediatamente leve a cabo todos os esforços para recuperar os créditos malparados, incluindo os ativos do BESA desviados para o “Banco Económico” angolano;

2d. Exigir que Portugal assegura os recursos que permitam uma linha de investigação rápida relativamente aos fundos canalizados para paraísos fiscais sob o “apagão fiscal” de 2011-2015”;

2e. Assegurar que nenhum dos devedores portugueses de créditos malparados no NB, ou em qualquer outro banco português, beneficiem de fundos da UE através de qualquer canal ou projecto, até que esses créditos malparados sejam reembolsados.

Cumprimentos,

Ana Gomes Deputada ao Parlamento Europeu

Cc: Jo Swyngedouw, Director Interino da Agência Bancária Europeia Danièle Nouy Directora do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu

Mário Centeno, Presidente do Eurogrupo

Ville Itälä, Director Geral da OLAF

Alfonso De La Fuente Garrigosa, Chefe de Gabinete do Secretário Geral do Tribunal Europeu de Auditores

Imagem retirada da net