Crónica sobre Relações Modernas

Luis-Gil-Torga.jpg

« ...

 

É certo que na juventude sofreste e a vida não foi fácil para ti no que toca a amores - principalmente devido ao teu feitio ingénuo e à tua beleza ímpar.

 

[Sempre interiorizaste, de forma errada, que a tua beleza e a tua alegria comandavam as vidas dos garotos e homens do mundo, e que até os poderias assediar a teu bel-prazer]

 

Também, é certo, nunca foste muito dotada no que toca a senso. Mas nunca se interpretou mal isso, cada um com o feitio que tem. Até porque sempre conseguiste tudo com o teu rosto sempre lindo e sorridente e infantil, e com o teu feitio terno. E tu sempre soubeste aproveitar-te bem desses dons que deus te deu

 

[Essa tua beleza sorridente, pueril e ímpar, esse teu feitio aparentemente terno.]

 

Entretanto, cresceste. E quase envelheceste. Mas não amadureceste. Sempre asneira atrás de asneira, mentira atrás de mentira, e sempre sem medires consequências

 

[E agora, quase velha, queres recuperar tempo perdido, triste tempo assim o interpretas, sôfrega e irracional!]

 

Mas, pára. Medita. Entende que poderás ter perdido o controlo, andas tu a fazer mal aos outros, e não os outros a ti! E chegaste a um ponto em que a tua beleza se tornou banal por tanto recorreres à tua imagem para tentares atingir os teus derradeiros objectivos.

 

Acautela-te. Estás no limiar dos derradeiros anos sumarentos que te restam. Vais ceder ao “futebolista” que de ti apenas lascívia quer, é claro que vais conseguir o que tu e ele querem, ele divertir-se-á um tempo reduzido com a “tia querida”, tu vais encher o ego com a presença de um moço trinta anos mais novo, e depois ele vai ao futuro da sua vida jovem e tu permanecerás no presente da tua vida idosa, e quando a relação terminar acordarás uma vez mais solitária, talvez tarde demais. E ainda te restarão alguns outros anos, em que necessitarás de carinho, de afecto, de tudo o que continuará a fazer-te falta… Até de ajuda para a eventual necessidade, quase certa, de teres de sarares a solidão e os “cânceres” que se perspectivam no pulmão e no fígado, e sei lá mais onde.

 

Entretanto, vive a vida com saúde e alegria, sim? E acredita: há gente que pode ser infeliz por um ou outro motivo, mas que não é frustrada, não é medíocre, e muito menos invejosa. E não te quer mal.

[E quem te conhecer que te compre]

 

... »

 

© Luís Gil Torga

 

(Foto retirada da net, apenas por analogia ao desaparecimento prematuro de uma talentosa mulher bonita. Quanto ao microconto, qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência)