Vinho Branco

 

 

Aprendi a beber vinho branco com Rosana, domingos à tarde, quando a gente ficava namorando na sala, na casa dela. Agora não tenho bebido, que o preço anda terrível. Vinho branco e poesia. Tenho bebido a última, que também embriaga. E lembrado as músicas que ouvíamos nos longos domingos. Longos agora, naquele tempo voavam. Bebe em golinhos — ela dizia. O segredo das boas coisas está em senti-las devagar, degustando. O amor é assim também. Não ter pressa. Percorrer o corpo com paciência budista. Se tinha sexo? E não era sexo os olhares carregados de desejo? Não era sexo os beijos molha dos, de língua? Não era sexo o contato, o sentir o corpo sob as roupas? Não era sexo o tocar a face com a mão trêmula?

 

Queria ter agora, ao lado da máquina, um copo de vinho branco. Queria o corpo de Rosana, nu, sobre a cama. Não ia escrever, ou talvez escrevesse uma outra história, melhor, sem rodeios e lugares-comuns.

 

Não tenho vinho branco, e nem Rosana. Mas tenho a certeza de que a terei, não desisto assim tão fácil.

 

Devia descrever a cena ridícula em que o pai de Rosana mandou que me retirasse de sua casa etc. Não quero mexer em feridas. Foi há um ano, e não houve tragédia. Ele simplesmente exerceu o seu poder de pai, de proprietário da filha, de dono de seu destino. Meteu-a no carro e levou-a a Porto Alegre.

 

Fui pra casa e fiz aquela bobagem que já falei, aquela besteira de meter a gilete no pulso. Coisa de idiota. Puxa vida! Quem ia mesmo sair perdendo te ria sido eu, que, morto, não ia nunca mais ver a Rosa na. É que pensei apenas na minha dor, no meu sofri mento, fui um tremendo individualista, ela também estava sofrendo, aquilo não foi uma coisa justa da minha parte, mas não é bom ficar falando disso, por que o que passou é morto, acabou.

Charles Kiefer 

 

 Charles-Kiefer.png

 

NOTA:

Charles Kiefer é natural de Três de Maio (RS), onde nasceu em 05 de novembro de 1958. Estreou na ficção em 1982 com Caminhando na Chuva, novela de temática adolescente que já vendeu mais de 100.000 exemplares. Em 1985, Kiefer ganhou projeção nacional com a novela O Pêndulo do Relógio, agraciada com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Em 1993, com o livro de contos Um Outro Olhar o escritor recebeu outro Prêmio Jabuti. E em 1996, com Antologia Pessoal, o terceiro Prêmio Jabuti. O autor vem acumulando nos últimos anos uma série de outras premiações, entre elas o Prêmio Guararapes, da União Brasileira de Escritores, para O Pêndulo do Relógio; O Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, em 1993, por Um Outro Olhar; e o Prêmio Altamente Recomendável para Adolescentes, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, em 1986, para o livro infanto-juvenil Você Viu Meu Pai Por Aí?, entre dezenas de outros. Tem mais de 30 livros publicados no Brasil, na França e em Portugal. As editoras Ática, Record e Leya são suas principais casas publicadoras no Brasil.

 

Fonte: charleskiefer.blogspot.com