ALGUMAS NOTAS SOBRE O FASCISMO

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 Como o fascismo assenta fundamentalmente na intolerância, a sociedade que dele nasce terá de ser, fatalmente, isenta de valores humanos. Esta intolerância alarga-se a todos os espaços da sociabilidade.

Começa por distinguir, arbitrariamente, entre "bons" e "maus" cidadãos; os "bons cidadãos" serão , por auto-definição e descargo de consciência, os fascistas e os seus apoiantes ; os "maus cidadãos" serão todos os demais, mas em graus diferentes. Assim, os "piores cidadãos" são identificados com os comunistas e os socialistas, habitualmente designados, depreciativamente, de "vermelhos". Segundo os fascistas, os "vermelhos" são o "bode expiatório" , enquanto lhes são imputados todos os males do país : a economia colapsa ? a culpa é dos "vermelhos" ; existe mal-estar social ? a responsabilidade é dos "vermelhos" ; a classe média vê decair os seus rendimentos ? os "vermelhos" são os únicos responsáveis ; o crime aumenta ? isso deve-se aos "vermelhos" ; os maridos matam as mulheres e os filhos atacam os pais ? ; a imputação dos danos é sempre atribuída aos "vermelhos". Ou seja, o fascismo é uma forma de irresponsabilidade colectiva através do expediente fácil de apontar o dedo a terceiros, ou seja, neste caso aos "vermelhos". Foi assim com Hitler e com Mussolini. Foi assim com Salazar e Franco. Vai ser assim com Bolsonaro. Há depois uma franja de gente que é vista com as maiores reservas : os republicanos, os social-democratas e mesmo os simples liberais.

Ou seja : o fascismo implanta a guerra social , ao delimitar um "campo bom" e um "campo mau". Como as tensões sociais produzidas suscitam necessariamente os mais vivos protestos e reacções, então há que proceder a militarização do tecido social. Assim, as forças armadas ou "da Ordem" serão glorificadas pelo fascismo, que não se cansará de declarar que é nelas que reside todo o patriotismo e toda a virtude. Irá então implantar-se a impunidade para todos os agentes da repressão. Tudo isto será feito em nome da "Ordem", contra a "desordem" desejada e fomentada , alegadamente, pelos "maus cidadãos". Esta miséria lógica e valorativa pode chegar ao ponto de serem justificados os mais torpes processos de perseguição individual, desde a privação de empregos à segregação por bairros, desde a compressão explícita (implicando violência física) ao "remédio radical" do assassinato. Pinochet e Videla foram exemplos paradigmáticos, que convirá não esquecer.

O aparelho judicial, que nunca deixa de ir atrás do Poder dominante, sufragará tudo isto, com sentenças de absolvição relativamente aos crimes dos "bons patriotas" e com pesadas sentenças de condenação relativamente às tenebrosas e "gravíssimas infracções" dos "maus cidadãos".

Instalam-se , paralelamente, as formas de vigilância e controlo social, que irão desde a subtileza da auto-censura à explícita adopção de "medidas saneadoras" nas escolas de todos os escalões, incluindo as próprias Universidades. A vida cultural deixará de ser livre, ou seja, converter-se-á num simples e acrítico exercício de legitimação do Poder fascista.

Lentamente, far-se-á a indução da especiosa e falsa ideia de que a "bondade fascista" se encontra condensada numa tipologia rácica. Daí que se comece a falar na "autenticidade genética dos "bons" e na inautenticidade rácica dos "maus". caberão aqui os homossexuais, os ciganos, as etnias minoritárias e os estrangeiros. Ou seja, a xenofobia e a racismo serão sempre indissociáveis da prática e da teoria dos fascismos.

Em regra, este aberrante discurso "cola" junto da classes médias, algumas até letradas, que, vendo a decréscimo dos seus rendimentos e da sua importância social, se entregam ao mito do "Salvador", do "Chefe carismático" ou do "governante salvador e ungido, que vai pôr tudo a direito".

Uma última nota : as devastadoras contas desta monstruosidade histórica e politica nunca devem ser feitas no princípio. No princípio, existirá apenas o fumo da fanatização de massas fascizadas, em regra violentas, mas em estado de beatitude. Façam-se é as contas no fim. No fim, por esta razão elementar : os regimes fascistas, cedo ou tarde, caem fragorosamente do tripé do Poder, a menos que os fascistas consigam a completa barbarização da sua população.

Amadeu Homem