Anestesia

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Quem hoje em dia prescinde da anestesia na sala de operações? E no entanto…

O debate sobre a ajuda no morrer desperta muitas consciências adormecidas para o drama de muitos doentes obrigados a enfrentar situações trágicas de fim de vida que, embora o desejassem, não têm essa possibilidade de escolha no nosso país.

É certo que logo se levantam vozes contrárias, temerosas, bem intencionadas ou não, mas que na prática acham que lhes pertence o direito de decidir pelas pessoas nessa situação extrema, impondo na lei, em nome da sua crença ou da sua ética pessoal, o seu ponto de vista que consideram supremo e indiscutível.

São, no fundo, eco das mesmas vozes que na primeira metade do século passado se opunham acerrimamente ao uso dos anestésicos nas salas de operações, obrigando crentes e não crentes a um sofrimento perfeitamente inútil. Mas quem se lembra disso, hoje?

Mas vale a pena relembrar o que se passou com a resistência ao uso de anestésicos no início da cirurgia moderna em finais do século XIX, que obrigou os pacientes - crentes e não crentes - durante um longo período de tempo, a torcerem-se com dores horríveis nas mesas operatórias, sentindo na pele o idealismo religioso e ético da hierarquia eclesiástica e dos médicos.

Foi necessário surgir, muito mais tarde, um documento pontifício do Papa Pio XII, em 1957, para clarificar “os aspetos religiosos e morais da analgia considerada perante a lei natural, e sobretudo perante a doutrina cristã contida no Evangelho e proposta pela Igreja.”

Assim, e às dúvidas dos crentes – profissionais e doentes – sua Santidade, começando por lembrar “Se é incontestável que o cristão sente o desejo de aceitar e até de procurar a dor física - para melhor participar da paixão de Cristo, renunciar ao mundo e às satisfações sensíveis e mortificar a carne – é preciso saber interpretar essa tendência e ajustá-la aos tempos atuais pelo que”, conclui, (…) “o paciente que deseja evitar ou acalmar a dor, pode sem inquietação de consciência utilizar os meios encontrados pela ciência e que em si mesmos não são imorais.”

E foi assim que, depois de dezenas de anos de acesa controvérsia, crentes e não crentes pudemos respirar de alívio, porque passámos a ter a sorte de, independentemente do vínculo religioso de cada um, usufruir da bendita anestesia na sala de operações.

É isto que se espera de uma sociedade humanista: que a morte medicamente assistida para os doentes terminais em sofrimento intolerável, que assim o desejem, siga os mesmos passos da aceitação generalizada da anestesia nas salas de operações.

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António Pinto dos Santos Toni