Caiu a pinha, voaram os pinhões, secou o eucalipto

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A paz volta, assim, ao PS, agora um partido novo e imaculado. Aguardam-se os próximos episódios...

Uns ingénuos. Anos sobre anos e de nada desconfiaram. Subitamente, por causa do nemátodo do pinho, a pinha desprendeu-se, os pinhões esvoaçaram, o eucalipto definhou. Ei-los, agora, a carpir a sua tristeza, a sua raiva, o seu desgosto, o seu incómodo, a sua vergonha. Sem pudor, acrescente-se.

Durante tanto tempo, o silêncio foi de ouro. Maciço. Quando foi para apear António José Seguro, Sócrates – então ainda amigo exemplar – serviu-lhes às mil maravilhas. É que a fragrância do poder é afrodisíaca: soma, mesmo que na subtracção. Por isso, nada de dividir, antes exponenciar.

Durante anos a fio, salamaleques e “Sim, senhor primeiro-ministro”. E ai de quem escrevesse ou balbuciasse umas parcas palavras não para fazer de juiz, mas para ajuizar de factos. Tudo ia de enxurrada na compulsiva acusação de direitismo, populismo e outros epítetos, à míngua de argumentação própria de verdadeiro contraditório.

Licenciatura a martelo e a um domingo, credo! Vida com milionários ditos empréstimos de amigos, que fantasia reaccionária! Ligações alegadamente perigosas e promíscuas, que devaneio acusatório! Tentativa de controlo da comunicação social, homessa! Etc., etc.

António Costa, número dois do primeiro governo socrático, uns tantos actuais ministros também naquele executivo e Carlos César na sua proverbial e acolhedora (bastante) função de presidente açoriano nada imaginavam, nada pressentiam, nada liam, nada ouviam. Eis, esplendorosamente, uma notável incapacidade de percepção!

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De tal modo que, no estertor do tempo socrático, António Costa ainda dizia, com convicção: “José Sócrates é um grande líder e um grande PM. E o país precisa, nesta fase de crise, de boas lideranças, que tenham coragem de enfrentar os problemas e não se chorem sobre os mesmos. Ele já venceu uma crise e ele vai vencer certamente esta outra crise.”  

Entra Pinho em cena, pois de “Pequim é que se torce o pepino” (e que pepino!). Da pepineira pachorrenta em que vivia o directório socialista, soou o alerta. Ainda tentaram, de início, evitar a “maçã podre”, lembrando que “o homem é independente, não é dos nossos”.

O certo é que o nevoeiro que obnubilava mentes prodigiosas dissipou-se, tendo para tal muito contribuído a processionária que atingiu o pobre pinho. E, em versão laica, começaram a temer as consequências do trinitário lema “em nome do pai, do pinho e do espírito santo” (evidentemente, com minúsculas), como já vi escrito. Perante as nunca negadas cumplicidades de toda a sorte, ficaram com cara de melão, para logo de seguida passarem da cucurbitácea à cereja no topo da traição. Com um ar compungido, a sociedade em comandita “César & Galamba” atira-se ao ex-poderoso chefe e “animal político”. Uma partitura de comovente cinismo, urdida em afinada consonância, em que uns fizeram o papel de protagonistas maus e António Costa foi actor secundário mais para o bonzinho. Outros camaradas e ex-ministros de Sócrates (não todos) se lhes seguiram. Não há nada como a luminosidade enternecedora de quem manda em cada momento.

Deixava, assim, de ser a estafada versão do “para a política o que é da política” e “para a justiça o que é da justiça” para passar a ser uma mistura conveniente, amoral e q.b. entre política e justiça. Agora convinha acabar com o pacto do silêncio, para não se correr o risco de, em tempo de vésperas, ser mal interpretado pelo povo eleitor. A boleia da justiça é agora bem-vinda, assim se esboroando, ainda que por via ardilosa e oblíqua, o sagrado e sempre invocado, pelos agora arrependidos socialistas, princípio de presunção de inocência. O PS disse agora de Sócrates o que os outros partidos jamais disseram por pudor político.

António Bagão Félix

Público, 11 de Maio de 2018

Imagem - Retirada da net