CARTA PÚBLICA AO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Excelentíssimo Senhor Presidente da República.
Excelentíssimo Comandante Supremo das Forças Armadas.
Excelência
O assunto exposto nesta carta tornada pública não corresponde a uma situação exclusiva dos militares, das suas famílias e dos ex-combatentes da guerra em África, ou ainda mesmo da Índia, uma vez que diz respeito a quase toda a população e impõe-se já hoje e ao País, como uma questão nacional. 
 
É apenas dada ênfase aos militares por ser uma realidade que por incrível que possa parecer tem alguma coisa de cruel e que merece ser divulgada, pelo que representa de injusto e preocupante. 
 
Temos um envelhecimento precoce da população militar com uma parte considerável de combatentes da guerra em África, com significativas sequelas a nível físico e psíquico e muitos a precisar de acompanhamento  hospitalar, por doenças crônicas prolongadas, situações resultantes de demências ou de acidentes cérebrovasculares, que devem ser prestados  em Unidades adequadas e que hoje se denominam de Cuidados Continuados Integrados e Paliativos. 
 
Com a criação do Hospital único (Hospital das Forças Armadas) constituiu-se  entretanto como contrapartida, alienar dois Hospitais do Exército ( Hospital Militar Principal e Hospital Militar de Belém) e o Hospital de Marinha. 
 
Com esta decisão, hoje reconhecidamente precipitada e insensata para além dos elevados encargos que continua a acarretar, fez com  que se perdessem cerca de 400 camas de internamento hospitalar, que inclusivamente  e adicionalmente se  poderiam constituir  como uma “reserva estratégica” nacional, para eventuais situações de calamidade e catástrofe, vividas pelo País. 
 
Perante esta realidade houve então por parte das Associações Militares uma intervenção judicial através de uma “ação popular” de contestação às condições de cedência do HMB à CVP e deu azo à criação de uma Petição Pública, que com mais de 4000 assinaturas foi admitida  para inerente discussão na Assembleia da República. 
 
Com estas ações, expunha-se a injustiça das decisões, a sua irrazoabilidade, contestavam-se os  procedimentos adoptados e salientava-se a necessidade de alargar de forma integrada o apoio clínico e social aos ex-combatentes, e não a sua redução, sublinhando a dúvida quanto à capacidade daquelas entidades manterem os hospitais ora alienados e vendidos, fechados há quatro anos, ao serviço da comunidade ( a geração dos que participaram na guerra e dela sofreram os efeitos) e que deles naturalmente deveria ser a primeira beneficiária.
 
A inação revelada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que apesar do argumento de urgente necessidade, não apresentou até hoje, que se saiba, um projecto de construção ou adaptação dos Prédios Militares - PM 200( Cerca do Convento da Estrela - Ala Norte ) e PM 216( Casa de Saúde da Família Militar) para, como consta do número 3 do Despacho 7325/2015 de 22/6/15 ( protocolo assinado com o Ministério da Defesa ) possibilitar a  “implementação de Unidades de Cuidados Paliativos, Pequenas Cirurgias e Cuidados Continuados Integrados Pediátricos por um período de 30 anos”. 
 
Foi aliás, com esta finalidade que os PM 200 e 216 foram cedidos por ajuste directo pelo Ministério da Defesa Nacional à Santa Casa da Misericórdia. 
 
Ao Ministério da Defesa caberá assim verificar se é a esse fim que serão destinados os Prédios Militares alienados e mais, julgamos, que deveria ser salvaguardado o acesso da comunidade de militares e ex- combatentes, em condições a definir, aos serviços da futura Unidade  de Cuidados Paliativos  e da futura Unidade  que a Santa Casa da Misericórdia se comprometeu  implementar. 
 
No âmbito da referida  Petição Pública e nas audiências que eu, enquanto primeiro peticionário, mantive  com a Comissão Parlamentar de Defesa e Ministério da Defesa, com a Provedoria de Justiça, Presidência da Cruz Vermelha Portuguesa ,General Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, e por último, a recepção pelo General Chefe da Casa Militar do Presidente da República, nunca foi colocada em causa a constituição do denominado Hospital único, desejado há muitos anos como a forma mais correcta de racionalizar e rentabilizar recursos dispersos.
 
Mas o que desde sempre se expressou foi o facto de não terem sido salvaguardadas as retaguardas constituídas pelos Hospitais alienados para apoiar uma população a necessitar de indispensáveis cuidados e sem a correspondente resposta por parte do Serviço Nacional de Saúde. 
Excelência 
Cerca de um milhão de portugueses participou na guerra em África, existindo mais de 12000 deficientes físicos ( não“stress” pós traumático), dos quais cerca de 2000 são deficientes físicos profundos com incapacidades entre os 80% e os 100%. 
 
Entretanto nas Forças Armadas existe uma  ausência reconhecida de resposta de estruturas adequadas para o apoio social e clínico,o que tem permitido que os militares do QP recorram a hospitais e unidades privadas, acrescendo custos e acumulando défices, que se contabilizam no tempo, dentro em pouco incomportáveis.   
 
Entretanto um despacho conjunto dos Secretários de Estado do Tesouro e da Defesa Nacional nº 4532/2018, publicado no DR de 09 de maio,veio revogar a cedência do Hospital Militar de Belém (HMB) à Cruz Vermelha Portuguesa, referindo que  “...importa travar a inevitável degradação a que o imóvel está sujeito pelo facto de se encontrar devoluto, agravada pela incapacidade de suporte dos avultados custos associados à sua conservação e manutenção…"  
 
No entanto e quando tudo parecia encaminhado para uma reversão do Hospital Militar de Belém para a admnistração das Forças Armadas, incluindo um Relatório da Comissão Parlamentar de Defesa  da Assembleia da República, entendeu agora a tutela, através do seu Secretário de Estado e no passado dia 26 de Junho, em sede de Comissão Parlamentar de Defesa , veicular a informação de que a Câmara Municipal de Lisboa está interessada no ex-HMB, para nele instalar “equipamento social”, o que naturalmente  desvia essa antiga e prestigiada Unidade da Saúde Militar da função que havia justificado a sua alienação( entretanto revogada )à CVP!
 
Senhor Presidente, Comandante Supremo das Forças Armadas
 
Excelência
 
Resta assim aos militares, ex- combatentes e estropiados de guerra, apelar  à intervenção de V. Exa, como Comandante Supremo e de que se constitui à luz do Direito e da Constituição, como o último garante da dignidade dos militares das nossas Forças Armadas, os que as serviram, servem e os que as servirão no futuro.
 
Com os mais respeitosos cumprimentos
 
João Gabriel Bargão dos Santos
MGen Médico
05/7/2018
Foto retirada da net
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