"EU NUNCA FARIA ISSO ! "

 

Sempre que surge um escândalo público que envolva desvio de dinheiros do Estado, ergue-se entre nós um imenso clamor de indignação , eivada de moralismo. E muitos dizem : "Lá estão "eles" - neste "eles" podem caber os políticos, os banqueiros, os endinheirados, os considerados poderosos - lá estão "eles" a roubar.

Não é mau que aconteçam estes periódicos sobressaltos públicos. Nem é sequer mau que noventa e tal por cento das pessoas declarem, para o seu íntimo ou para a Opinião pública : "Eu nunca faria isto !". E não ! A maior parte destas pessoas nunca farão tal coisa ... pela simples circunstância de "não chegarem lá " ...

É que uma Sociedade não escapa aos seus ditames e condicionalismos. Dito de outra maneira, não se furta ao "caldo de cultura" que a alimenta e lhe dá ( ou tira ) substância , consistência e perfil próprio.

"Eles" somos "nós" - mas deslocados para situações, serviços e cargos onde podem meter a mão no "pote da marmelada". Aliás, nunca mais me vou esquecer de uma frase de Pedro Passos Coelho , através da qual esta enormidade ética dizia ( se a memória não me atraiçoa ) que tinha chegado a hora do seu partido "ir ao pote".

Ora bem : "ir ao pote" é servir-se dos recursos do Estado, ou seja, desviá-los. Este desvio poderá ser feito em proveito próprio ou de outrém, mas sempre em prejuízo dessa geral representação e Instituição de nós próprios, chamada Estado.

Esta Sociedade caiu num niilismo ético que justifica tudo. É uma questão de capacidade de argumentação sofística.

Mas o meu ponto é este : sustento que é artificialíssima esta distinção entre o "nós" - puros , imaculados, intangíveis, angélicos - e o "eles" - satânicos, venais e enlameados caracterialmente. Mas sustento mais : sustento que cada um de nós, à sua maneira e de acordo com a sua posição relativa, defrauda frequentemente os direitos do Colectivo, ou seja, do Estado.

Basta atentar ao número de vezes em que respondemos á pergunta , que se vai tornando crónica , " é com recibo ou sem recibo ?". Todas as vezes em que respondemos "sem recibo" estamos a lesar essa tal Entidade representativa de nós todos.

Pretendo com isto dizer que o Cidadão deva aplaudir os actos manifestos de desonestidade e de locupletamento ? Não. Quero apenas significar que este Portugal, no todo dos seus Concidadãos, tem muito caminho a trilhar até atingir a maioridade dos Valores partilhados por todos e defendidos por todos. 

Amadeu Homem