PERISCAS PARA O CHÃO

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Lembro-me de há muitos anos, bem antes do 25 de Abril, alguns amigos que conheciam a estranja, normalmente por pertencerem a famílias com gente emigrante, e que gozavam por tal facto de prestígio no meio do nosso grupo, nos contarem coisas deveras admiráveis sobre as Franças e as Alemanhas. E sobre a Suíça, o nec plus ultra da existência humana. “Na Suíça,“ diziam eles, “quem andar na rua e deitar periscas ao chão é multado.” E nós, que cuspíamos para o chão e urinávamos nos recantos dos portões, de perguntar quem multava o prevaricador. “Há polícias e fiscais por todo o lado?” Passavam-nos pela imaginação cidades de um estado policial a la Orwell, nós que nunca tínhamos ouvido falar de Orwell. “Não, são as próprias pessoas que se multam umas às outras. E se atravessares a rua fora da passadeira, os condutores páram o carro, saem e multam-te eles próprios.”

Nós achávamos isso tudo admirável. E moderno. Eu queria ser dos que prendiam, claro. Não há nada mais exaltante do que poder castigar o nosso semelhante, quando este se comporta erradamente. E a liberdade? Onde está a liberdade? – perguntareis. Ora, a liberdade é sobretudo isso: poder castigar quem se comporta erradamente. Sim, sei que ouviram dizer que ela – a liberdade – é o prazer de não nos importar o que o outro faz, e de este nos deixar fazer o que nós queremos.

Mas não somos agora tão ingénuos, certo?

Imagem retirada da net

José Costa Pinto