A ÚLTIMA ILUMINAÇÃO DE SOUSA TAVARES

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Há gente que tem a irreprimível tentação de escapar aos grandes consensos. Sente-se mal com as multidões. Detesta subscrever leituras óbvias. Miguel Sousa Tavares é um dos mais famosos cultores dessa velha linha de intelectuais (com ou sem aspas) que procuram fugir àquilo que está mesmo à frente do nariz, só para se demarcar da opinião da “carneirada”.

Esta inclinação para fugir dos grandes consensos como o diabo foge da cruz tem por base, quase sempre, uma intolerável tendência para considerar todos os outros uma cambada de néscios que não estão a ver a “verdade”, que Sousa Tavares, sempre ele, vai desvendar para iluminação das trevas em que quase todos estamos mergulhados.

E qual foi a última “iluminação” que nos deu Sousa Tavares na sua coluna do “Expresso”? Ora tomem nota: sabem vocês quais as verdadeiras razões que levaram a Finlândia e a Suécia a pedirem a adesão à Nato? Não, não foi a invasão da Ucrânia e o receio que outras aventuras do mesmo tipo possam acontecer. Sousa Tavares explica: o pedido de adesão dos dois países nórdicos surgiu porque “a invasão da Ucrânia pela Rússia foi um falhanço”. Se a agressão russa fosse vitoriosa, “nem a Finlândia nem a Suécia se teriam movido da sua zona de conforto”. Ora tomem e embrulhem! Isto faz algum sentido? Não, não faz sentido nenhum. Mas é, sem dúvida, uma leitura “disruptiva” que fulmina a visão consensual da “carneirada”.

Há um pequeno problema nesta leitura iluminada de Sousa Tavares: o “falhanço” da invasão russa já provocou dez milhões de deslocados ucranianos (entre os que saíram de suas casas e se mantiveram em território ucraniano e os que emigraram para o estrangeiro); e os bombardeamentos e malfeitorias do exército russo na Ucrânia já levaram, segundo cálculos feitos até agora, à destruição de bens e infra-estruturas que implicarão investimentos próximos dos 100 mil milhões de euros nos anos vindouros. Isto, sem falar na dor, na morte e na dificuldade de dar vida a um país sem ligação ao mar, como Putin parece apostado em conseguir. Tirando estes “pequenos pormenores”, a análise de Sousa Tavares ilumina, como sempre, as nossas pobres cabeças mal pensantes. Não há paciência.

Carlos Romero

Em Literatura e Poesia - Amadeu Carvalho Homem