Cresce, cresce, malmequer, para seres um girassol!

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Desde há muito que a minha “via-sacra”, nas manhãs de domingos, é no mercado da Tocha: junto às mulheres de S. Caetano, que ali vendem as flores e as couves semeadas no minguante, para que não grelem; perto da tia Cesaltina, galinheira dos Carreiros, onde se ouve o despique dos seus galos e garnisés, mesmo com as pernas atadas; em frente da barraca da banha da cobra, com todas as pomadas, infusões e chás, “à disposição de Vosselências com dificuldades em ir ao “Dablo Sê”; no talho da D. Cila, por via das morcelas e das chouriças de vinho, tão gulosas; em redor daquele casal jovem, de Mira, que ali introduziu os seus produtos naturais, com tantos a perguntar a que fazem bem!… Esta via-sacra, porém, só fica concluída com asvoltas pelas ferragens, pelos viveiristas, pela rainha dos plásticos, pelos ciganos, pelas padeiras e, especialmente, pelas “carreiras” onde sempre se encontra quem tem excedentes e ali os vai vender. Finalizo sempre esta minha visita semanal junto do tio Ramiro, estimado comerciante de cereais proveniente dos Leitões, com terrado há mais de quarenta anos nesta feira. Tudo quanto é sementes é com ele, desde abóboras, meninas e porqueiras, nabos greleiros e de cabeça, ervilhas, favas, peniscos, tremoços bravos e dos outros, chícharos, milho, cevada e aveia, no fundo aquilo que a nossa gente precisa para meter na terra.

Este homem foi um dos mais entusiastas caçadores desportivos da nossa zona, paixão que sempre se traduziu no intercâmbio que tal prática proporcionava, ao juntar aficionados oriundos de todo o lado. Daí, a subtileza das suas estórias, ao evocarem convívios tão fraternos.   

Certo dia, conversávamos a respeito das espécies em extinção e nelas incluíamos as pequenas aves que, dantes, viviam e nidificavam nos nossos quintais: os melros, os verdilhões, as pegas, os pintassilgos, os gaios, os pica-paus e tantos outros. E veio à baila as largadas de animais que o “Ambiente” criava em cativeiro, nomeadamente aves de rapina e carnívoros predadores, de que se destacavam os saca-rabos, que muito se parecem com os gatos-bravos e que os técnicos diziam ser espécies autóctones. Soltos perto das povoações e sem que fosse acautelada a sua alimentação, acabaram por dizimar a maior parte das capoeiras daqui da Gândara, virando-se depois para os ninhos dos quintais, que igualmente dizimaram, deixando de se ouvir, sequer, o canto de um pássaro perto das casas.

Falávamos ainda nos repovoamentos de caça, tendo o meu amigo defendido que, para isso, havia que semear cereais, “levar de volta” aqueles animais que não eram de cá e encetar sérias medidas de acompanhamento. E foi num momento desses que ele me deu uma rasa de girassóis dizendo para os espalhar em terra mexida e esperar pelo resultado, tendo eu feito como ele me ensinou. E as plantas nasceram e cresceram, tal como os malmequeres cantados por Raúl Solnado, até serem aquelas flores amarelas, grandes e lindas, que sempre se voltam para o sol e, no ciclo final, se transformam em sementes que todos os pássaros comem. E é ver, porque vale a pena ver, em cada dia, a quantidade de aves agarradas a eles e ouvir os seus chilreios. Tão simples! 

António Castelo Branco

Arte: Sunflower-Vincent-van-Gogh

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