CONSEGUE ENCHER UM BALDE FURADO?

EDITE CARDOSO ECONOMISTA

 

A resposta à pergunta que dá título ao meu artigo de opinião no jornal O Ponney, parece-me um evidente ‘não’!
É necessário que tenhamos um conhecimento da imagem total para podermos formar a nossa opinião pessoal. A realidade é que antes da pandemia, Portugal já sofria com as consequências da fragilização laboral, mesmo antes da crise financeira originada nos Estados Unidos. Resultado de má gestão política ao longo de muitos governos desde o Estado Novo até aos nossos dias.

Mesmo com o apoio da Comissão Europeia, a Portugal, que entre Setembro de 2020 até Dezembro de 2022 apoiou com 6,2 mil milhões de euros em empréstimos da UE para resolver a situação laboral de Portugal provocada pela Covid-19, não impediu o aumento de desemprego e o trabalho precário em 2024. Talvez possamos encontrar a resposta à questão “que é feito do dinheiro da UE para apoiar as condições laborais fragilizadas pela Covid-19?” na falta de regras relativas aos conflitos de interesses, às normas éticas e à transparência no exercício de funções públicas e nas atividades de lobbying em Portugal. O furo do balde que demonstra onde está o verdadeiro “buraco”.

Vamos a factos e não a “achamentos”: o SURE foi um programa temporário criado pela Comissão Europeia em 2020 para proteger postos de trabalho durante a pandemia da Covid-19. Que nós vimos muito bem como esse apoio protegeu os postos de trabalho em Portugal.

Basta ver, agora em 2024, o aumento do número de desempregados e os estagiários de cursos, na sua maioria, inúteis dados pelo IEFP (dando emprego para formadores) que baixam os números no grupo dos “desempregados”. Produzindo uma população que não está empregada nem desempregada, anda num limbo que ajuda a aparentar números para “inglês ver”, nada mais.

O mais estranho é que mesmo com os trabalhos precários que escondem a realidade, aumentou a taxa de desemprego. Pois segundo dados da Instituto Nacional de Estatísticas (INE) e Randstad houve um aumento de desemprego em Portugal para os 6,8% nos primeiros três meses deste ano (2024), face aos 6,6% do último trimestre de 2023. Este foi o segundo trimestre consecutivo de subida na taxa de desemprego. O número de pessoas sem emprego aumentou 3,8% face ao final de 2023 - volto a lembrar que mesmo com o truque dos precários (estagiários, trabalho independente, gente que enfileira os contratos de serviços sem apoio laboral, etc.) que ajudam a baixar os números nos gráficos do desemprego.

Por outro lado, a Comissão Europeia indicava que Portugal já recebera, no quadro do SURE (iniciado em 2020 e prolongado até 2022), 6,2 mil milhões de euros em empréstimos da UE. A última tranche foi de 524 milhões de euros, recebidos por Portugal em 2022 no sentido de ajudar a “(...) cobrir os custos relacionados com o financiamento de regimes nacionais de trabalho a tempo reduzido e outras medidas semelhantes, incluindo para os trabalhadores independentes, bem como algumas medidas relacionadas com a saúde”.

Que dentro da missão do programa SURE, em 2024, as consequências deixadas pelo Covid-19 já deveriam ter desaparecido e não deveria ser considerado como argumento persistente para a falta de crescimento dos Estados-membros (de que Portugal faz parte). Ora é exatamente quando os fundos chegam a Portugal que a economia recupera.

Lembro, por uma questão de vermos o todo, que a Comissão tinha proposto o instrumento SURE a 2 de Abril de 2020, como parte da resposta inicial da UE à pandemia, tendo o mecanismo sido adotado pelo Conselho a 19 de Maio, tornando-se disponível em Setembro desse ano. Os apoios financeiros foram prestados na forma de empréstimos concedidos em condições particularmente favoráveis.

Foram empréstimos e não oferecidos a Portugal, mesmo a “condições particularmente favoráveis” - é bom não perdermos a memória.

Por outro lado, em Janeiro de 2024 a organização Transparência Internacional alertou que o combate à corrupção em Portugal continua a não avançar e tem falhas ao nível da integridade na política, pelo que sugere melhores leis em matéria de lobby.

Com 61 pontos em 100, o país “volta a igualar a pontuação registada em 2020, a pior registada desde 2012, continuando abaixo do valor médio da sua região (65 pontos)”. Desde 2012 que Portugal apresenta variações anuais mínimas na sua pontuação deste índice. Ainda segundo a Transparência Internacional, “o facto de Portugal ter mergulhado numa crise política quando o primeiro-ministro António Costa se demitiu na sequência da detenção do seu chefe de gabinete, no âmbito da Operação Influencer, é um exemplo de como os escândalos de integridade política persistem”. Não invalidando que António Costa fosse eleito em Junho, 2024, como presidente do Conselho Europeu.

Apesar desta confiança estranha na Europa, a organização Transparência Internacional continua o alerta para a necessidade de serem reforçadas as regras relativas aos conflitos de interesses, às normas éticas e à transparência no exercício de funções públicas e nas atividades de lobbying em Portugal.

Independentemente da “cor” do governo, se não houver uma política no combate à corrupção e ao abuso de poder de forma séria, não há medida laboral que possa resolver o definhamento de Portugal.

Edite Cardoso
Economista