Pão e circo, mas sem pão e pagando o circo

Pao-e-circo.png

Na Roma antiga, as classes dominantes distribuíam pão à plebe para mantê-la tranquila e

ofereciam-lhe no circo sangrentos espetáculos de gladiadores e matanças coletivas, ou corridas de quadrigas nas quais os espetadores desafogavam o seu ódio reprimido e apoiavam a carroça adversária da equipa do imperador, opondo-se assim a este, mas de forma inofensiva.

Quem oferecia o espetáculo gratuito obtinha, em contrapartida, popularidade e prestígio.

O capitalismo atual sabe utilizar a indústria do espetáculo como ferramenta para dominar. É esse o papel nada ingénuo de muito cinema e de muita TV, que reforçam e promovem os valores dos poderosos, deformam e escondem os problemas reais e conquistam as mentes e moldam os gostos e os consumos dos mais débeis.

Esse papel culmina com o futebol, como negócio, e particularmente no Mundial de Futebol que, em todos os países, atrai a atenção das maiorias, tenham ou não equipas representadas no torneio e, enquanto dura, coloca de facto em segundo plano os problemas realmente importantes, permitindo com a manobra de distração que o sector dominante faça passar os seus planos e medidas, enquanto a imensa maioria da população segue a evolução dos resultados desportivos.

Para cúmulo, este novo circo alienante, diferente do que acontecia na antiga Roma, é pago

pelas vítimas sob a forma de impostos que financiam a construção dos estádios, absorvendo o dinheiro que deveria ser destinado a obras públicas úteis que não são feitos porque o orçamento do Estado é desviado para confundir e desviar as pessoas comuns, e permitir que uma minoria faça grandes negócios obscuros. Além disso, enquanto o desemprego, o subemprego e a pobreza atingem cifras enormes, os escassos fundos orçamentais são esbanjados na construção de verdadeiros elefantes brancos, absolutamente inúteis na maioria das cidades assim que terminar a Copa Mundial de Futebol.

Há, portanto, durante um lapso breve, mais circo, mas menos pão nesse período e no

futuro previsível.

A esta altura devo esclarecer que não confundo o desporto com o negócio de uma máfia

internacional do futebol, que serve antes que nada para fazer aceitar a ideologia capitalista e realizar grandes negócios à custa da ingenuidade popular…

Mas o que acontece é que não se criam Polidesportivos onde todos possam praticar gratuitamente algum desporto, ou o futebol, mesmo como parte da formação integral; pelo contrário, os mafiosos que controlam o futebol mundial fazem construir imensos templos para voyeurs, gente passiva que vai ao estádio só para ver ou que, pior ainda, cerveja na mão, acompanha os jogos do sofá da sua casa. O desporto é para ser praticado, não só observado à distância sem participar no jogo.

Jogadores profissionais com salários altíssimos, muito superiores aos dos cientistas mais

especializados, dirigentes de clubes e federações mafiosos, investidores nos clubes que investem neles o dinheiro que exportam ilegalmente dos seus países respetivos, como os oligarcas russos, ou as quantias obtidas da exploração do trabalho semiescravo, como os sheiks do Qatar, da Arábia Saudita ou dos Emiratos: é esse o “desporto” que se apresenta às pobres pessoas que desejam sucessos, ainda que sejam fictícios, e querem ver luxo, ainda que seja alheio, endividando-se para entrar numa das “missas negras” do desporto real.

Há governos que passam gratuitamente todos os desportos pela TV pública. O resultado é as notícias e os espaços dedicados aos problemas reais serem mínimos ou não existirem, cavam as suas próprias sepulturas com essa demagogia, porque só povos informados e instruídos poderão organizar-se para resistir à ofensiva do capital como único deus, e ao vazio existencial de andarmos distraídos com um bocado de couro redondo cheio de ar.

Adaptado de Guillermo Almeyr 

Enviado por Amílcar Zenoglio

Vídeo:

https://youtu.be/e-9RU2QdKhQ