Roubados na estrada

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Diziam que o problema dos elevados custos dos combustíveis estava nos impostos, mas quando os impostos desceram o preço não acompanhou a descida. Se fosse preciso alguma prova de que o maior fator de aumento do preço dos combustíveis está no cartel das petrolíferas, já a temos

 

Confesso que não sou um daqueles especialistas que sabem tudo e compartilho com pelo menos 99,5 % dos portugueses um enorme grau de ignorância sobre como se formam os preços dos combustíveis nos mercados internacionais e como se passa daí para o preço que se paga nas bombas. O que me foi explicado por alguém que percebe disto mais do que eu é que o mecanismo de formação de preços assenta, não no preço real do barril de petróleo no momento da sua aquisição, mas nas cotações da Praça de Roterdão através de um índice artificial designado CIF NWE /Platts, seja lá isso o que for. Fiquei na mesma.

 

Até ao final do século passado o preço era fixado administrativamente. O Governo fazia publicar um diploma que aumentava os preços a partir das zero horas do dia seguinte e havia uma pequena corrida às bombas para aproveitar as últimas horas do preço antigo. Dir-se-ão que isso se passava na “idade da pedra”, mas não é tanto assim. O capitalismo já existia há uns séculos e já tinha passado por muitas crises. Já havia multinacionais dos petróleos e mercados internacionais. O que havia, e agora já não há, era algum controlo, ainda que ténue, do poder político sobre o poder económico que ainda permitia controlar margens de lucro no preço de venda de bens considerados essenciais. O que há agora é um liberalismo económico no qual o único papel reservado ao Estado é o de servir fielmente os interesses dos grandes grupos económicos criando e mantendo os mecanismos que lhes permitam aumentar as margens de lucro sem que os cidadãos/consumidores tenham outra margem de intervenção que não seja pagar os preços que “o mercado” lhes imponha.

 

A liberalização dos preços dos combustíveis foi apresentada como uma grande vantagem para os consumidores, na medida em que a concorrência faria descer inevitavelmente os preços. Foi o que não se viu. Nas últimas décadas o preço dos combustíveis nas bombas flutua constantemente não tanto ao sabor da concorrência, mas da cartelização. Encontram-se algumas bombas a vender um combustível “low cost” por uns cêntimos a menos, arranjam-se alguns descontos emitidos por supermercados a rebater em compras, e os preços vão aumentando paulatina ou subitamente, havendo pelo meio uma baixas que nunca compensam os aumentos anteriores.

 

Sempre que os anunciados aumentos nos mercados internacionais se traduzem em aumentos súbitos imediatos no preço de venda aos consumidores, assistimos a debates políticos intensos sobre a necessidade de baixar os preços dos combustíveis. Nessa altura, todos os partidos de direita, desde os liberais que dizem que o são até aos que dizem que o não são, apontam o dedo aos impostos e isentam os lucros das petrolíferas como se estas fossem, tal como todos nós, vítimas indefesas da mão invisível dos mercados. Baixasse o Governo os impostos e os preços baixariam automática e significativamente.

 

Pois bem: confrontado com o brutal aumento dos combustíveis nas últimas semanas, o Governo decidiu, no final de abril, reduzir em 16 cêntimos por litro o valor do ISP. Contudo, o preço médio da gasolina 95 simples, que a 29 de abril era de 2,03€ o litro, era em 2 de maio, é de 1,98€, o que representou uma redução de preço de apenas 5 cêntimos, quando o imposto baixou 16 cêntimos. O que significa que as petrolíferas se apropriaram, em média, de 11 cêntimos por litro. O mesmo no gasóleo, que passou de uma média de 2,01€ por litro, a 29 de abril, para uma média de 1,94€ por litro, a 2 de Maio, o que representou uma redução média de apenas 7 cêntimos por litro, o que significou uma apropriação pelas petrolíferas de 9 cêntimos por litro.

 

A própria Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE) identificou, entre 29 de abril e 2 de maio, uma subida da margem bruta de 15 cêntimos por litro na gasolina e de 11 cêntimos por litro no gasóleo.

 

Em simultâneo, a GALP anunciava um aumento em 496% dos lucros obtidos no primeiro trimestre de 2022. Palavras para quê?

 

É evidente que as medidas fiscais são importantes, no sentido de aliviar o peso significativo que têm no preço final, mas não dispensam medidas de controlo de margens e preços, removendo as componentes especulativas do mecanismo de formação de preços. Só assim se pode garantir que as reduções de imposto tenham um impacto real no preço final, em vez de serem total ou parcialmente absorvidas pelos grupos económicos do sector.

 

António Filipe

Professor universitário

Em Expresso 09-05-2022

 

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