O DECEPADO
Na batalha de Toro, a ala direita do exército português, comandada pelo príncipe D. João, herdeiro da coroa [e mais tarde D. João II], destroçou completamente a ala esquerda inimiga.
O centro, porém, comandado por D. Afonso V, viu-se atacado por forças muito superiores e teve de recuar em desordem para Toro. A luta foi terrível.
Os castelhanos queriam apoderar-se do estandarte real que o alferes Duarte de Almeida empunhava.
Choviam sobre este lançadas e espadeiradas, mas ninguém lhe podia arrancar a bandeira.
Corta-lhe a mão esquerda uma cutilada inimiga, com a direita segura o estandarte. Decepam-lhe esta também.
Então, agarrando-o com os dentes, estreita-o ao peito com os braços mutilados. Não podendo, porém, defende-se dos golpes que sobre ele desabam, cai, enfim, prostrado no chão e é levado pelos castelhanos para Toro.
Mas a bandeira não ficou em poder dos inimigos. Depois da batalha, um escudeiro português, Gonçalo Pires, encontrou um bando de castelhanos que a levavam de rastos pelo chão. Arremessou-se a eles seguido de alguns soldados, pô-los em fuga e reconquistou o estandarte.
Duarte de Almeida sobreviveu aos seus ferimentos, mas a Pátria foi ingrata para com ele. O heróico Decepado, como lhe chamaram depois, morreu na miséria.
Gonçalo Pires foi um pouco mais feliz. Quando D. João II subiu ao trono, deu-lhe uma pensão.
Jaime de Séguier
Nota:
A batalha de Toro deu-se em 1 de Março de 1476, durante a Guerra de Sucessão de Castela, entre tropas portuguesas e castelhanas joanistas de D. Afonso V, e castelhanas isabelinas de Fernando II, rei de Aragão, Leão e Castela.
O soberano português fora a campo defender os direitos de sua sobrinha, Joana, a Beltraneja, rainha consorte de Portugal. Na batalha distinguiram-se o príncipe D. João (que viria a reinar como João II de Portugal), Gonçalo Pires, e Duarte de Almeida, o alferes-mor do rei, a quem estava confiada a bandeira portuguesa.