OUTRO CAMINHO

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            Sozinho no meio da multidão, olhava em volta, procurando referências. Um recanto conhecido, um rosto vagamente familiar, algo que o ligasse à sua vida. Nada. Absolutamente nada. Sorriu, feliz. Estava completamente sozinho no mundo.

Assolou-o, novamente, aquela sensação de inebriante liberdade. Há vinte e quatro horas atrás, do outro lado do planeta, cortara todos os laços. A ideia germinava nele há algum tempo. Era, no entanto, algo utópico que, acreditava, nunca conseguiria levar a cabo. Começara por pensar, como quase todos nós, uma vez na vida, em como lhe apetecia desaparecer, deixar tudo e todos para trás. Mas, ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, nele a ideia foi ganhando corpo, tomando contornos de quase obsessão. Mesmo assim, sentia-se incapaz de a concretizar. Era apenas um refúgio num desvão escondido da sua mente. Mas, a discussão com o chefe, aquela pequena e, aparentemente, inconsequente troca de palavras que, noutro momento, com outra pessoa, teria sido irrelevante, fê-lo decidir-se. Sabia que nunca conseguiria justificar o motivo daquela tomada de decisão, naquele momento.

Documentos e dinheiro no bolso, partiu. Sem explicações, sem despedidas. Partiu. A verdade é que sabia que já há muito tempo tinha partido. O percurso até ao aeroporto demorou o tamanho do seu silêncio. O táxi rodava numa cadência veloz sobre o tapete negro da estrada. No aeroporto, o vozear da multidão toldava-lhe a vista. Podia escolher qualquer destino e nenhum teria de ser definitivo. Podia fazer o que lhe apetecesse. A escolha recaiu sobre o país o mais longínquo possível da vida que deixava para trás.

E ali estava. Sem remorsos, dúvidas ou tristezas. Sabia que não ficaria na memória de ninguém pelo poder transformador das palavras nem pelo poder regenerador dos seus atos. Seria apenas a recordação do inexplicável. Sentia-se completamente livre. Libertara-se do pó, do nada com que o tempo se encarregara de o cobrir.

Olhou, de novo em redor. E deixou que os seus passos o guiassem na direção que – livremente! – escolhera.

Arte - Leonid Afremov

 

                                                                                                                                                                                                                                                                     PC