UMA ABELHA AO SOL

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Em visita a casa parental e momento de jardinagem, a minha mãe deu conta, finda a tarefa, que uma abelha jazia sobre o dorso, viva, no chão da varanda, debatendo-se em desespero. Pensámos na eventualidade da abelha estar a morrer, porque os insectos se viram de barriga para cima, na agonia. Mas esta parecia ter ainda fogo nos intuitos e quebrava o coração vê-la torcer-se. Abri a vidraça e, com uma folha de papel rígida, aproximei-me. A minha mãe, do lado de dentro, tinha melhor perspectiva da posição da abelha, apesar de mais longe, e descrevia-ma. Já tinha tentado a manobra duas vezes, no passado, com Joaninhas e com sucesso. Mas estas, apesar de morderem quando as irritam, não são de todo uma ameaça à manobra a dedo nu e, das duas vezes, um pequeno empurrão com o dígito médio devolveu-as à posição desejada e vi-lhes as patinhas a mexer, muito felizes, tomando direcção.

Aqui, notei o ferrão alçar-se no ventre, na minha direcção, tomada de medo pela sua vulnerabilidade (por princípio, as abelhas nunca me picam, várias foram as aventuras em que pousaram, até ficaram acidentalmente dentro do meu punho, e não me picaram). Recordei episódios em que tive de capturar abelhas em casa, para as libertar, porque não encontravam a saída, percorrendo em vão o vidro da janela. Nessas alturas, verifiquei que o som da minha voz as acalmava e que se deixavam levar pelo meu gesto, sem me atacar. Experimentei o mesmo tom, desta vez. Nos primeiros segundos o ventre apontava para mim, em auto-defesa, Mas, sossegou. Procurei um ângulo de pressão com a folha de papel que não lhe partisse as asas, nem lhe danificasse a cabeça, e, com um rápido impulso, levantei-a e fi-la dar uma cambalhota até ficar sobre as patas. Na primeira tentativa voltou a desequilibrar-se e caiu, novamente, de costas. Deixei-a acalmar-se e voltei a tentar, desta vez com sucesso. Esperei que voasse, de repente, e me atacasse, mas não, ficou na mesma posição, mexendo-se, muito ao de leve. Regressei ao interior, depois de alguns minutos a seu lado.Vim a saber que não se voltou a mexer. Tinha escolhido aquele lugar para morrer, mas, de algum modo, era uma lutadora e queria manter a postura altiva, sobre as patas, quando a morte viesse ao seu encontro

MCM