A CASA DE "SUB-RIPAS" OU "SOBRE-RIBAS".

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 A casa mais notável e mais interessante do ponto de vista artístico existente em Coimbra é a “casa de Sub-Ripas” ou “casa de Sobre-Ribas”, situada na rua do mesmo nome. Riba significa ribanceira ou declive acentuado e era um termo comum na Idade Média. O que hoje se vê é fruto de empreitadas que decorreram na primeira metade do século de Quinhentos, e testemunha a transição das moradias do gótico final, medievais, para as renascentistas, digamos, modernas. O nome advém-lhe da via que ostenta esse topónimo e onde se situa.

É nesta característica rua de traçado medieval, que acompanhava o traçado da muralha, que fica a referida casa, antes da torre do Anto, onde viveu o poeta António Nobre, como é conhecida há mais de um século, mas anteriormente designada como torre do prior do Ameal.

A rua de “Sub-Ripas” corre ao longo da cerca e do adarve, desde o “Quebra-Costas”, até onde está o colégio de Santo Agostinho e foi, em tempos, a oficina ou “telheiro” do escultor João de Ruão. Nela podemos ver algumas casas setecentistas, sobretudo do lado virado ao Mondego, sobre a muralha. Foi numa delas, das mais próximas do início da subida, que nasceu, a 19 de Junho de 1731, o escultor Joaquim Machado de Castro, e nasceram também os seus irmãos, igualmente artistas ilustres.

No fim do século XV, a Câmara de Coimbra começou a aforar a moradores as torre se o lanço de “sobre-a-riba”. João Vaz, um homem influente da Coimbra de então, tinha uns pardieiros, a nascente da rua, terreno onde faria a casa renascença, e obteve licença para construir um balcão ou passadiço que, passando sobre a rua ligasse os referidos pardieiros, situados a nascente, com o lanço da muralha e a torre que já obtivera.

A parte mais antiga foi construída, nas primeiras décadas do século XVI. Na verdade, a belíssima moradia divide-se em dois blocos: a chamada “casa de cima” ou casa do arco, e a “casa de baixo” ou casa da torre. A construção não obedeceu a qualquer plano prévio, aproveitando os encomendantes e mestres-de-obras as construções existentes, o que era prática corrente na época.

Os principais motivos artísticos da “casa de baixo”, que foi construída após o ano de 1514, por iniciativa de João Vaz, como aludimos antes, são a decoração naturalista, manuelina ou tardo-gótica do portal e das janelas, bem como outros elementos construtivos conservados no interior. O portal é de uma enorme exuberância, plena de elementos naturalistas, tão típicos do tardo-gótico popular do Baixo Mondego, mas de clara inspiração batalhina. É certamente obra de um mestre secundário que deve ter trabalhado, em Santa Cruz, sob as ordens de Boytac e de Marcos Pires. Esse desregramento do desenho e a predominância da decoração estende-se às janelas, em arco conopial, esculpidas em pedra morena local. No interior, as divisões são irregulares, com vãos de comunicação tardo-góticos, e até é visível uma janela já proto-renascentista com mainel médio com capitel em mármore, de fabrico genovês, mas que entravam em Portugal via Sevilha, de onde eram azulejos mudejares ou hispano-árabes que decoravam partes de salas, encontrados nas obras de restauro.

A “casa de cima” foi já feita, entre 1544 e 1547, e o seu plano, nomeadamente o pátio, é já renascentista, um “cortile” à maneira italiana, um dos primeiros a ser erguido em Portugal. Como se disse, uma parte significativa está sobre a rua, formando um túnel de passagem.

São notáveis as largas dezenas de baixos-relevos que ostenta nas paredes exteriores, e que pelo estilo e técnica se podem atribuir à oficina de João de Ruão que, por coincidência, ficava poucos metros acima. São inspirados em gravuras e vinhetas tipográficas italianas, que o escultor tinha no seu local de trabalho, para servirem de modelos, e que o proprietário da casa parecia coleccionar. Estão colocados nas paredes exteriores e interiores aleatoriamente. No entanto, João de Ruão fez para ele esculturas mais complexas, como o busto de um guerreiro clássico, em alto-relevo, que fica sobre o portão de entrada, e o médio-relevo de uma Vénus desnuda, lateral à entrada da casa propriamente dita, já no piso nobre.

A adaptação a Instituto de Arqueologia e o restauro prévio ficaram a dever-se aos arquitectos Amoroso Lopes e António Madeira Portugal.

Pedro Dias