A HORA DA UNIVERSIDADE E A HORA DA CIDADE: A ORIGEM DO “QUARTO DE HORA ACADÉMICO”

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A expressa determinação, constante do Título LII do Livro II dos Estatutos da Universidade de Coimbra, confirmados por D. João IV em 1653, de que o Relógio da Universidade “andará sempre atrás do Relógio da Cidade meio quarto de hora”, ter-se-á devido, a par da reafirmação da autonomia universitária, regendo-se a Universidade por regras próprias, e não se submetendo às normas municipais, nem mesmo quanto à contagem do tempo, pela necessidade de distinguir os toques dos sinos dos dois relógios.

As horas da Universidade eram então marcadas pelo relógio que o Reitor Frei Diogo de Murça, encomendara, em 1545, ao serralheiro Pero Francisco, e que custara 10000 réis, sem o sino, porque este, que pesava 70 arráteis, custara 5460 réis e fora feito pelo sineiro Garcia Rodrigues, morador no Espinhal.

Tratou-se do segundo relógio da Universidade, porque o primeiro, reclamado a D. João III logo no ano da reinstalação definitiva da Universidade em Coimbra (1537), com o argumento de que “nã podia aver boa ordem sem relógio”, e instalado em 1539 no lugar indicado pelo Rei ao Reitor (“e quãto ao relógio ey por bem que se corega como dizes e poer se há sobre a porta da emtrada do terreiro dos paços por ser lugar mais convinhável para isso que outro algum & emcaregares hum homem de ho temperar & coreger”), rapidamente deixou de funcionar com fidelidade, o que deixou a comunidade escolar sem a medida do tempo com o rigor que se impunha, do que se terão aproveitado alguns lentes para deixarem de cumprir pontualmente as suas obrigações, ocasionando um mau funcionamento da Universidade.

De melhor qualidade e durabilidade (mais de 300 anos!) deu mostras o segundo relógio, de Pero Francisco:  inicialmente instalado à entrada dos Gerais, mais próximo do recinto escolar, a fim de melhor regular a atividade letiva, foi em 1561 transferido para a sala que para ele fora destinada na torre mandada fazer a João de Ruão e erigida junto à Via Latina, entre a Sala dos Atos Grandes e os Gerais. Daí foi transferido para a atual torre, desenhada pelo italiano Antonio Canevari, e construída entre 1728 e 1733, onde se manteve em funcionamento até 1867, ano em que foi substituído pelo relógio de Borrel-Wagner.

Muito próximo da torre com o relógio da Universidade achava-se a torre dos sinos da velha Sé, que funcionava como relógio da cidade, o que ocasionaria sobreposição de toques: eis um outro motivo para o estabelecimento do atraso de meio quarto de hora determinado nos Estatutos de 1653.

Com o decorrer do tempo, o meio quarto de hora duplicou de duração. Assim surgiu o “quarto de hora académico”, um atraso relativamente à hora marcada, com que pontualmente se iniciam todos os atos académicos em Coimbra. 

Mário Torres