A RÁDIO NO MEU BAIRRO

Rui-Felicio35.png

(NO DIA MUNDIAL DA RÁDIO...)

 

Não havia ainda televisão em Portugal. E mesmo depois de ter aparecido em meados de 1950, muito poucas pessoas a ela tinham acesso doméstico, porque os aparelhos eram caros e o dinheiro escasseava.

A força da comunicação era, portanto, a rádio, indiscutivelmente.

Os noticiários eram, sobretudo, uma forma de propaganda do regime, mantendo o povo na obscuridade e afastado do que se passava no mundo.

Os jornalistas que procurassem, por mensagens subliminares, tornear e obstar a essa propaganda, mais tarde ou mais cedo, eram afastados e penalizados.

As audiências, porém, subiam em flecha às horas dos programas de entretenimento ou de desporto. Despovoavam-se as ruas do bairro, com toda a gente fechada em casa, escutando o som roufenho dos aparelhos de rádio de fraca qualidade, vivendo entusiasmada e atenta os relatos dos feitos dos nossos hoquistas, habituais vencedores a par dos rivais espanhóis, dos famosos torneios de Montreux.

Ou ainda, ouvindo e cantarolando as canções dos artistas em voga nos cíclicos Serões para Trabalhadores da Emissora Nacional, enquadrados na “alegria no trabalho” que o regime intencionalmente incentivava, ou o programa, mais aberto, de “Os Companheiros da Alegria” no Rádio Clube Português conduzido por Igrejas Caeiro, que não se cansava de dizer que “uma nota de 500 não se pode deitar fora...”.

Ultrapassavam-nos a todos, em número de ouvintes, as rádio novelas, cuja memória ainda perdura nas pessoas desse tempo.

Os folhetins diários do Teatro Tide e do Simplesmente Maria, faziam paralisar quase por completo, as actividades das donas de casa, das rapariguinhas e de alguns rapazes do bairro.

E forneciam pretexto para acesas discussões, logo a seguir às emissões, especulando-se sobre os seus futuros desenvolvimentos, e sobre as obscuras intenções das personagens mais populares das novelas.

Interpretadas por, entre outros, Carmen Dolores, Alice Ogando, Olavo d'Eça Leal, Francisco Mata, Odete de Saint-Maurice, Vasco Santana, Elvira Velez, Os Parodiantes de Lisboa....

As novelas faziam esquecer por momentos, os sacrifícios e dificuldades que afectavam as vidas da maioria das famílias do bairro.

Panem et circensis... ( Menos panem, mais circensis )

Rui Felício

(… longe estava eu de adivinhar que muitos anos mais tarde, haveria de ficar ligado à Rádio...)