AVIGNON E COIMBRA: UMA COMPARAÇÃO IMPOSSÍVEL

 

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 Coimbra é uma cidade mas gerida  que continua a dever muito a si própria. Meu artigo de opinião saído há dias no Diário de Coimbra, onde ensaio uma breve comparação com Avignon, que visitei recentemente:

 

A cidade francesa de Avignon é do tamanho de Coimbra (tem cerca de 90 000 habitantes) mas, nesta altura do Verão, está cheia de cultura e turismo. Estive lá há pouco tempo como convidado dos Rencontres Récherche et Création do Festival de Teatro de Avignon e encontrei muita gente, a maioria jovem, por todo o lado, incontáveis cartazes de espectáculos (eu nunca vi tanto cartaz, pendurado em tudo o que era sítio!), música e dança na rua, restaurantes, cafés e esplanadas a abarrotar, alfarrabistas e feiras ao ar livre, etc. Compare-se com Coimbra por esta altura e a diferença é flagrante.  A cultura em Coimbra pode-se considerar encerrada para férias e o turismo é reduzidíssimo em relação ao que poderia ser.

 

Avignon tem uma universidade fundada em 1303, pouco depois da de Coimbra, que é de 1290 (de facto a Universidade só chegou a Coimbra em 1308), mas hoje é menor do que a nossa. A cidade é Património Mundial da UNESCO, devido principalmente ao imponente Palácio dos Papas, que é o centro da urbe medieval. Foi Capital Europeia da Cultura em 2000. Organiza desde há 70 anos o festival de teatro mais conhecido do mundo, onde já passaram alguns dos maiores artistas dramáticos francófonos e não só. Vi uma tragédia de Séneca no pátio do Palácio dos Papas, onde estavam duas mil pessoas: esgotou tal como nos outros dias (num deles houve transmissão directa pela TV France 2). Todos os jornais e revistas francesas falaram da encenação inovadora do jovem Thomas Jolly, que esteve nos Rencontres em diálogo com outros artistas e com cientistas.

 

Avignon é governada pelo PS local, mas qualquer comparação com o PS de Coimbra revela-se impossível. Quer dizer, possível é, mas não faz muito sentido porque Avignon está bastante à frente. Avignon tem sido bem governada. A sua estação de comboios  bate de longe Coimbra B: basta dizer que não se passa por cima das linhas. E existe uma outra estação, fora do centro, servida pelo TGV, que faz uma ligação rápida à capital. Tem um aeroporto perto, mas o aeroporto internacional de relevo é o de Marselha, a uma hora de comboio, havendo muitos ao dia a funcionar pontualmente, O site do turismo muito pouco a ver com o nosso. As lojas de souvenirs estão nos antípodas das de Coimbra.

 

A ligação do turismo com a cultura existe, em Avignon como em qualquer cidade do mundo (eu fui lá por causa da cultura!), mas é óbvio que a cultura está longe de se reduzir ao turismo. Em Coimbra as duas áreas estão unidas na mesma vereação, cujo discurso se tem centrado no turismo, relegando a cultura para segundo plano. O mesmo risco se corre agora na Universidade de Coimbra, quando a “pasta” da Cultura, com a saída de uma vice-reitora, passou para o vice-reitor com o pelouro do turismo. Tal como a Câmara de há um tempo a esta parte não tem uma voz cultural relevante, essa ausência paira agora sobre a Universidade.

 

Falando da cultura de Coimbra, nesta época estival durante a qual, em forte contraste com Lisboa e Porto, o turismo não abunda (não admira: Coimbra não apareceu no filme da Eurovisão, não aparece nos filmes de promoção da TAP, não aparece na revista que a Visão lançou para estrangeiros), dois bons eventos merecem destaque: o Festival das Artes na Quinta das Lágrimas, o concerto de Elisabeth Matos com a Orquestra Clássica do Centro na mata do Buçaco e o Citemor – Festival de Teatro de Montemor-o-Velho. Todos eles mereciam mais público, que não vem por insuficiente divulgação. Mas houve também más notícias: a transferência da Feira das Velharias da Praça Velha para o Terreiro da Erva, que corresponde a uma certidão de óbito (fui lá aos alfarrábios e vi uma feira deserta e moribunda) e o fim, inglório, da associação dos Amigos do Conservatório de Coimbra, que há anos organizava temporadas artísticas muito concorridas (vi muitos e bons espectáculos na Sala do Conservatório).  Foi a Câmara que cometeu o disparate de mudar a feira de sítio e foi a mesma Câmara que permaneceu muda e queda com a extinção de uma associação, que era semelhante ás que há em Lisboa e Porto. O que está bem muda-se?

 

E a Coimbra - Capital Europeia da Cultura? Terá, assustada com as temperaturas, ido para banhos? A última vez que ouvi falar dela foi a propósito da organização, em seu nome, de serenatas de fados em diversas localidades da região (“À volta do fado”). O discurso oficial, muito pobre, centrava-se na necessidade de promover o turismo local. A relação entre cultura e turismo não está bem articulada nalgumas cabeças. Talvez porque lhes falte a necessária cultura.

CARLOS FIOLHAIS