CROMOS DO LICEU D. JOÃO III
(O FIGARO )
O circunspecto Fígaro era um férreo disciplinador. Nas suas aulas de Ciências Naturais, tornava-se impensável um sorriso, uma distracção, um movimento mais brusco ou irrequieto.
Ao mínimo sinal de indisciplina, o Fígaro anotava no seu caderninho o nome do aluno prevaricador e era certo e sabido que na atribuição da nota final isso ia ser tido em conta.
Naquele dia, um dos alunos tinha faltado para ir ao funeral de um seu tio e o Figaro aproveitou a circunstância para dar uma lição sobre a morte dos seres vivos e ensinar aos alunos o que é um defunto, o que é um cadáver.
Calvo, as bochechas arroxeadas, a barriga proeminente, empacotado no velho e coçado fato de tecido da Covilhã, caminhava lentamente no estrado de um lado para o outro, como que a preparar mentalmente a lição.
De pé, fixa os pequenos olhos na turma e começa:
Quando um órgão do corpo humano deixa de funcionar, diz-se que esse órgão morre.
O corpo humano é formado por um conjunto de órgãos e quando eles cessam o seu funcionamento, a vida acaba e sobrevem a morte.
Com a morte o corpo transforma-se em cadáver e começa a decompor-se. O homem transforma-se assim em defunto.
E com a decomposição do corpo, geram-se infecções que podem contaminar aqueles que ainda estão vivos.
Por isso, enquanto não se fizer o enterro do cadáver, deve arejar-se o local onde se encontra e deixar as janelas abertas, para prevenir a propagação de infecções.
O Fígaro reparou que, estranhamente, sobre um tema tão mórbido, os alunos não conseguiam conter o riso, com um
dito sussurrado pelo Furtado, e só não desatavam às gargalhadas certamente pelo medo do castigo que sofreriam pela indisciplina.
- Então meninos? Porque se estão a rir?
E, de dedo em riste para o Teixeira da Silva, da fila da frente, vociferou:
- Explica lá tu o que se passa!
O Teixeira Dias, o melhor aluno da turma, engasgou-se e tartamudeou:
- Eu penso que será por o Sr. Dr. estar a arejar algum órgão defunto, porque tem a braguilha aberta...
Imagem retirada da net - Liceu D. João III (Anos 40)
Rui Felicio