DECEPÇÃO
Passeava no Centro Comercial, junto ao Estádio de Coimbra, como em tantos outros sábados. Era uma jovem bonita mas só, triste, calada, de olhar mortiço. Desde que tinha rompido com o namorado, sofria na sua solidão, sem ninguém com quem conviver.
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Por ali deambulava sem norte, sem motivo, apenas porque nada tinha para fazer, porque nenhum outro sitio tinha para onde ir, porque nenhuma companhia... a levava a nenhures...
Na rotina daquele passeio sem nexo, um inesperado lampejo despertou os seus sentidos.
Olhou-o longamente sem que ele a visse. Por fora da montra lindamente enfeitada, observou-o, sereno, belo, atraente, junto ao balcão, lá dentro da loja.
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Voltou lá todos os dias. Só para ver aquele atraente moreno, cuja silhueta cada vez mais a enlouquecia. Ela era uma mulher decidida. Havia de tê-lo, havia de o possuir!. Arranjava coragem, planeava a forma de se chegar a ele, de o conquistar. Mas por enquanto continha-se.
Ainda não era chegada a altura...
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Quem reparasse bem em si perceberia o seu olhar de gulosa, os seus lábios húmidos, o seu mal disfarçado e intenso desejo de o ter só para ela.
Como pôde perder a paz desde que o vira pela primeira vez? Entrou na loja por duas vezes só para o ver mais de perto, só para poder, de forma casual, aproximar-se dele, quem sabe tocar-lhe com o braço, com os dedos, sentir o seu corpo que as roupas modelavam e escondiam...
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Agora não tinha dúvidas! Estava apaixonada por ele. Cheio, corpulento, moreno, tal como ela gostava...
Sabia que ainda há por aí muitos preconceitos quanto à cor. Mas ela não escondia as suas preferências pelos mais escuros. Gostava mais dos morenos que dos brancos...
Ao fim de muitos dias de angústia, escolheu o dia de hoje para finalmente levar avante a sua inabalável decisão de o ter. A adrenalina fazia-lhe correr o sangue nas veias a uma velocidade estonteante. O coração batia desordenadamente, a boca entreaberta aspirava o oxigénio que lhe ia faltando. Encheu-se de coragem e dirigiu-se ao centro comercial.
Entrou na loja...
Mas...
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Estacou, incrédula, quando olhou e viu uma sorridente e elegante rapariga que o acariciava, que lhe tocava com uma intimidade que lhe parecia exagerada num lugar público como aquele.
Que decepção!
Deu meia volta.
Constrangida, os olhos marejados de lágrimas, cheia de raiva, estava arrasada por tê-lo visto nas mãos de outra.
Já em casa chorou muito... Desabafou para as paredes... Culpou-se mil vezes por não se ter decidido mais cedo..
Agora não ia poder tocar-lhe, acariciá-lo, despi-lo das suas vestes exóticas. Não ia concretizar o seu sonho adiado de o poder tocar com os lábios, de o comer!
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Por fim, conformou-se, por ter perdido, por sua exclusiva culpa, aquele doce, lindo, moreno, grande e único ovo da Páscoa que enfeitava o balcão da loja de chocolates!
Rui Felício