IDA CÍVICA AO CONTINENTE, A CÍVICA E GENTIL RAPARIGA DA CAIXA
Realmente, as crises evidenciam o melhor dos portugueses e, nomeadamente, dos conimbricenses. Fui na Sexta-feira fazer compras ao hipermercado Continente. Não falando sequer do aprumo e abundância dos artigos dispostos, eis o que pude observar:
Os empregados estavam sem máscara mas de luvas. Ou seja, o suficiente para se acautelarem, mas sem exageros que assustassem os clientes. A música ouvia-se alegre no vasto espaço, com uma voz que periodicamente lembrava, em tom calmo: Para sua segurança cumpra a distância recomendada. Ninguém vigiava o espaço em estilo de policiamento e as pessoas circulavam respeitando as normas. Ao passarem umas pelas outras no corredor, a menos de um metro, viravam ligeiramente o rosto para o lado, do modo a não cruzarem respirações. Quando duas pessoas queriam retirar produtos do mesmo local, a segunda esperava pacientemente -- e digo pacientemente -- que a primeira procurasse à vontade a embalagem que lhe convinha, a certa de um metro e meio de distância. A primeira retirava a embalagem, afastava-se rapidamente, e a segunda pessoa avançava.
Na fila para as caixas, o chão estava marcado com as distâncias estipuladas. De novo, sem ninguém vigiar. Só que, pessoas mais carrinho ocupavam todo o espaço entre cada duas linhas, o que fez com que, automaticamente, os clientes deixassem o dobro do espaço entre si. Um método adoptado silenciosamente, unanimemente, como por transmissão de pensamento.
Na caixa, uma simpática rapariga atendeu-me. Eu estava com pena dela, por estar exposta e não poder recuar. De modo que falei o menos possível, para não a expor ao "meu ar", mas sorri. Coloquei-me a ensacar as compras a uma distância segura dela e fui fazendo pequenas perguntas sobre se me era permitido fazer isto ou aquilo. Pegava apenas nos produtos que estavam perto de mim, para não me debruçar sobre o balcão e sobre a rapariga. Ela, a certa altura, percebeu que eu estava a tentar ajudá-la o mais possível, não a expondo. De repente, vi-lhe a mão enluvada, gentilmente, suavemente, colocar-me na minha (mão) os produtos em que eu evitara pegar, por estarem longe e mais perto dela. Passou-mos um a um de mão para a mão. As minhas estavam nuas, sem luvas. Levantei os olhos, dirigia-me um sorriso terno. Apanhei os produtos da mão dela e agradeci, sorrindo também. Que queria dizer-me? Isto: Sim, estamos a proteger-nos mutuamente, estamos a proteger-nos uns dos outros, mas estamos juntos, somos todos pessoas e membros da mesma sociedade. Continuamos a ser pessoas e a olhar uns pelos outros. Estamos juntos, ninguém será segregado. Não é o medo que nos vai separar.
MCM