JOAQUIM ANTÓNIO DE AGUIAR: UM JUSTO INJUSTIÇADO PELA HISTÓRIA
Joaquim António de Aguiar nasceu em Coimbra, em 24 de agosto de 1792, na Rua de São Cristóvão (vulgarmente chamada Rua do Correio ou Rua do Correio Velho), a que em 1874 foi dado o seu nome.
Interrompeu os estudos preparatórios necessários à matrícula na Universidade para se juntar, em 1807, ao Batalhão Académico, formado em Coimbra para lutar contra a 1.ª invasão francesa, participando como soldado na Guerra Peninsular.
Terminado o conflito, regressou a Coimbra para cursar a Faculdade de Leis. Licenciado em 1815 com a mais distinta classificação, obteve o grau de Doutor em 1816. Devido às suas ideias liberais, foi preterido no preenchimento de um lugar na Universidade, injustiça corrigida em 1822. Porém, quando em 1823 se estabeleceu o governo miguelista, teve de abandonar a docência e procurar refúgio na cidade do Porto, donde partiu para o primeiro exílio.
Restaurado o regime liberal em 1826, voltou a Coimbra, sendo nomeado lente da cadeira de Analítica de Direito Pátrio.
No mesmo ano foi eleito Deputado às Cortes pela província da Beira.
Dissolvidas as Cortes por D. Miguel em 1828, regressou a Coimbra, onde recebeu ordem de expulsão imediata da cidade e desterro em Tabuaço. Optou por seguir para o Porto e daí para Inglaterra. Declarado rebelde pelos miguelistas, foi banido para sempre da Universidade de Coimbra.
Participou nas duas tentativas para se juntar aos liberais nos Açores: a primeira, comandada por Saldanha, gorada pelo bloqueio britânico; a segunda, dois anos depois, com sucesso. Integrado no Corpo dos Voluntários da Rainha, foi transferido para o Corpo Académico então estacionado na Vila da Praia, até à transferência das forças liberais para a Ilha de São Miguel, de onde partiu para o Desembarque no Mindelo, em 1832, e entrada no Porto.
Resistiu ao cerco do Porto, período durante o qual foi nomeado juiz do Tribunal de Guerra.
Após a entrada dos liberais em Lisboa, em 1833, foi nomeado Procurador-Geral da Coroa e juiz do Supremo Tribunal de Justiça.
Várias vezes Ministro da Justiça e Presidente do Ministério, com intensa atividade legislativa.
Nomeado par do Reino em 1852, sempre recusou benesses, condecorações ou títulos nobiliárquicos.
Viveu honestamente. Dele escreveu um adversário político em 1842: “Aguiar é limpo de mãos, virtude apreciável nestes tempos desgraçados”.
Faleceu em 26 de maio de 1874, numa pequena quinta que possuía no Lavradio (Barreiro).
Por sua manifesta vontade, quis ser enterrado na sua pátria Coimbra, no Cemitério da Conchada, em modesta sepultura.
Como legislador, deveria ser recordado por chefiar o Governo que aboliu a pena de morte. No entanto, nas comemorações e exposições organizadas nos 150 anos dessa efeméride, falou-se do Rei D. Luís e do Ministro da Justiça, Barjona de Freitas, mas de Aguiar nem uma palavra, nem uma imagem.
A maior injustiça de que tem sido vítima é, no entanto, a sistemática ligação do seu nome como principal responsável pela extinção das ordens religiosas, em 1834, e o ignominioso epíteto de “Mata-Frades”, aposto pelos seus adversários miguelistas, mas que toda a gente – mesmo a mais liberal – repete acriticamente.
Deve-se ao insuspeito Doutor António de Vasconcelos, sábio professor das Faculdades de Teologia e de Letras da Universidade de Coimbra, a cabal demonstração de que a responsabilidade de Aguiar nessa medida é muito menor do que sistematicamente se repete. O seu esforço para repor a verdade revelou-se inglório.
Joaquim António de Aguiar foi toda a vida um homem religioso e um bom cristão.
Na sessão das Cortes de 16/4/1839, protestando contra os atrasos nos pagamentos das pensões legalmente previstas para os frades egressos dos conventos, proclamou: “Quando tive a honra de aconselhar a Sua Majestade Imperial a extinção das Ordens Religiosas, entendi que fazia um grande serviço ao meu país; mas não foi a intenção […] que os religiosos que habitavam nos conventos andem agora por toda a parte morrendo de fome. A política exigia então altamente aquela medida.”
Mário Torres
A propósito da estátua de Costa Motta (Tio)