UMA DAS IGREJAS MEDIEVAIS MAIS ANTIGAS DE COIMBRA TRANSFORMADA NUMA…CASA DE BANHO?
Quando julgávamos que já tínhamos visto de tudo no que concerne a requalificações do património histórico em Portugal, eis que nos deparamos com mais uma situação completamente rocambolesca…
A igreja de Santa Justa-a-Velha, localizada no Terreiro da Erva, é um monumento que ainda apresenta algumas características da arquitectura românica dita “Coimbrã”, mas já com várias modificações do período gótico. Outrora em local distante das muralhas da cidade, junto ao traçado da antiga via romana, e hoje em dia situada em pleno centro histórico, é dos mais antigos templos cristãos na cidade, referenciada desde o ano de 1098 e cuja construção terá terminado por volta de 1155.
Um dos templos originalmente ligados ao rito moçárabe de Coimbra (Santa Justa foi uma mártir cristã hispânica, assassinada em Sevilha no século III d.C.), esta igreja foi sede de uma paróquia com o mesmo nome, e a partir de inícios do século XIII passou a organizar-se como colegiada, com um prior e um conjunto alargado de capelães e outros clérigos auxiliares, até cerca de uma dezena de indivíduos, sem incluir os seus familiares dependentes e criados, que viviam em casas no adro (actual Terreiro) e nas ruas mais próximas.
Em 1710 esta primeira igreja foi secularizada após a transferência para um novo templo na ladeira de Santa Justa, no final da Rua da Sofia, desempenhando, nos séculos seguintes, diferentes funções. A ruína que tinha chegado aos nossos dias revelava um edifício completamente descaracterizado, servindo inclusive, nas décadas mais recentes, de oficina de automóveis! Até que, em 2017 parecia que tinha chegado o momento de devolver alguma dignidade ao monumento como estrutura central da requalificação do dito Terreiro da Erva, chegando a própria Câmara Municipal de Coimbra a comprar o edifício e a efectuar a demolição das estruturas modernas que rodeavam e tapavam a igreja.
Estas informações são referidas no trabalho das investigadoras Maria Amélia de Campos, da Universidade de Coimbra e Maria Leonor Botelho, da Universidade do Porto (cujo artigo disponibilizamos na bibliografia desta publicação), um projecto sobre a história do monumento e valorização do mesmo, e do seu espaço envolvente.
No entanto, com as obras terminadas, deparamo-nos com partes do interior do templo convertidas em retretes! De facto, conforme as imagens podem comprovar, foram instaladas sanitas e lavabos na capela lateral da igreja, ficando a sua abside maior como uma espécie de átrio e zona de acesso às ditas retretes. Não sabemos, até pela impossibilidade de acesso em tempo útil ao projecto em causa, se a solução pensada para o espaço terá qualquer outra utilidade: como um centro interpretativo, uma biblioteca, até mesmo uma cafetaria ou bar, e que ocupe o espaço restante da igreja, ficando a casa de banho como apoio, ou se o espaço irá ter mesmo a função principal de WC público…
Deixamos aqui uma sugestão: porque não construir uma estrutura separada da igreja para albergar os lavabos? Assim, o impacto sobre o monumento era praticamente nulo e continuava a respeitar-se o espírito do local. Convenhamos que a reutilização de uma igreja histórica como esta, situada numa zona de protecção especial do Centro Histórico e da Alta e Sofia, classificada pela UNESCO (relembramos!), mesmo que desconsagrada, e com a evidente importância arquitectónica e cultural que possui, como casa de banho (conforme as provas parecem confirmar) não pode ser tolerada! Não se pode compactuar com soluções desrespeitosas e “terceiro-mundistas” para nenhum monumento histórico, por mais bem intencionadas que essas soluções sejam.
Como tal, a administração do Repensando a Idade Média pede, com todo o respeito institucional, que a Câmara Municipal de Coimbra possa dar mais informações acerca deste caso, incluindo facultar o acesso ao projecto ou organizar uma sessão pública de esclarecimentos à população. Estamos em crer que o bom senso vai imperar e que esta situação não se torne em mais um facto consumado que figure num rol triste de descaso pelo património histórico em Portugal.
- ADMIN do Repensando a Idade Média
In João Baeta