Editorial 14-03-2020

É uma Pena!

 

Morreu o Dr. Oliveira e Costa (José Oliveira e Costa, 1935-2020, de acordo com informação retirada da Net). E quando a morte de um homem é o principal tema do Editorial de uma publicação (semanal que seja), é porque o responsável pelo Editorial entende que esse homem, enquanto vivo, contribuiu com algo de relevante para que assim seja, por algum motivo em especial. É sabido que o Dr. Oliveira e Costa foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando Miguel Cadilhe era o responsável pela pasta das Finanças de um Governo do Dr. Cavaco Silva. É sabido que o Dr. Oliveira e Costa assumiu as funções de presidente do BPN em 1998. Consta que o Dr. Oliveira e Costa, com o dinheiro dos outros, era um mãos-largas. Consta que o Dr. Oliveira e Costa foi detido em 2008. Consta que, em 2017, nove (9) anos depois, o Dr. Oliveira e Costa foi condenado por abuso de confiança e fraude fiscal e suspeita de burla (entre outros crimes). É sabido que o Dr. Oliveira e Costa era um homem muito inteligente. Consta que os homens que mais contribuíram para o descrédito da curta democracia portuguesa pertenceram ou pertencem ao PS e ao PSD. E, também, consta que à data da sua morte

[Doze (12) anos depois de ter sido detido]

o Dr. Oliveira e Costa nunca cumpriu pena!

Leu-se e interpretou-se que, no âmbito das irregularidades que perpetrou, de acordo com o Tribunal da Relação de Lisboa,

[Ainda não sob suspeitas de conluios]

em consequência da acusação do Ministério Público, o “seu” Banco

[O BPN]

foi conduzido ao colapso e à consequente nacionalização por, imagine-se, má gestão! Isto é: foi conduzido ao endividamento do Estado, dívida que foi legada ao contribuinte para salvar o Banco, para ser paga com o dinheiro ganho pelo contribuinte, todo o contribuinte, independentemente do dinheiro do contribuinte ter sido ganho com esforço e trabalho – e, portanto, com sangue, suor e lágrimas! E tudo indiferente, com a conivência do Estado e das entidades reguladoras e sem o contribuinte ter sido consultado, ao prejuízo dos clientes lesados pelo Banco!

Quase no final de certa manhã de canícula extrema, entrou o Dr. Oliveira e Costa adentro do estaleiro onde eu exercia cargo de chefia, numa empresa de construção civil e obras públicas, num bairro periférico de Luanda. Vinha acompanhado

[Assim me foi anunciado]

por um dos responsáveis máximos da casa civil de Dos Santos, homem de olhares racistas e de outros, a quem a empresa onde eu trabalhava na altura andava a fazer a reabilitação de uma moradia “nacionalizada” e confiscada sem justificação legal a uma família de “tugas”, em Viana. O Dr. Oliveira e Costa foi-me então apresentado como sendo um grande investidor da República Portuguesa, honesto e empreendedor, que procuraria nicho de mercado na República de Angola, para ampliar os “tentáculos” do “seu” Banco Popular de Negócios

[Escuros – é minha convicção].

Passada meia hora de conversa, aí fui eu, conjuntamente com o Dr. e com o seu acompanhante “peso-pesado”, ver algumas das obras mais emblemáticas construídas pela empresa que eu representava, algumas delas coordenadas por mim. Evidentemente protegidos por “seguranças” que nos seguiam em carros blindados carregados de AK-47 e respectivas munições, nos porta-bagagens - intuí.

Pois, no Morro Bento e no Benfica e nos bairros circundantes, mostrei eu ao Dr. Oliveira e Costa as principais medalhas de ouro que a empresa onde eu laborava, aí tinha construído com zelo e empenho e qualidade. Moradias imponentes com revestimentos de mármores genuínos portugueses - importados de Itália (!) - e com caixilharias com vidros duplos e estores térmicos e piscinas quase olímpicas e arrumos mais magnificentes do que muitos apartamentos de luxo existentes em bairros finos do “ex-império”, incluindo no CBD das suas principais cidades. E estacionamento para dezenas de viaturas que se pressupunham de topo de gama e de luxo, umas compradas outras “nacionalizadas”, e iluminações e arranjos exteriores de deslumbrar. E barbecues de “top”, e jardins muito bem arquitectados. Tudo no meio de musseques e “bairros-de-muita-lata”, onde não existia electrificação ou água potável ou saneamento. Bairros onde não se sabia o que eram infra-estruturas de saneamento básico e afins…

Quando regressámos ao estaleiro, depois das mostras, o Dr. Oliveira e Costa esboçou um comentário que não será do meu interesse reproduzir, e convidou-me para almoçar no então melhor restaurante da ilha de Luanda. Aceitei. Telefonei ao administrador-mor da empresa, e disse-lhe «Sr. administrador, vou almoçar com um tipo que está por aqui a tentar encontrar nicho de mercado, e que veio com um dos responsáveis pela defesa do Chefe-de-Estado e família, e depois falamos!»

O almoço não foi muito demorado e Oliveira e Costa pouco falou, para além do estritamente necessário. E eu nada disse a Oliveira e Costa a propósito de ter sido colega de um conhecido seu, com quem partilhei amizade do peito, durante mais de uma década, até ao dia em que, trabalhando com ele e sendo ele meu superior hierárquico, lhe reivindiquei necessidade de aumento de salário devido ao meu empenho e ao excessivo e inequívoco horário de trabalho nas diversas “obras” a que fui alocado, que me foi recusado para minha surpresa e até para surpresa do Sr. Espírito Santo, responsável e dono dessa empresa onde laborei com empenho e zelo sem o meu melhor amigo que constatei não ser o meu melhor amigo o ter reconhecido! Amigo que até, é minha convicção, a minha assinatura falsificava, quando enviava fax´s em meu nome sem o meu conhecimento ou consentimento! 

Morreu Oliveira e Costa. O Sr. Dr. José Oliveira e Costa. Consta que o pioneiro das trapaças dos banqueiros, pós 25 de Abril, em Portugal. Talvez fosse interessante o Ministério Público e as demais instâncias superiores explicarem o motivo por que a maioria dos Oliveiras e Costa nunca cumprem pena. Sim, talvez fosse interessante o Ministério Público

[E não só]

explicar ao mundo por que motivo em Portugal a maioria dos banqueiros que “desfalcam” não cumprem pena se acusados ou, até, por que motivo alguns deles nunca chegam a ser acusados, apesar dos elementos de facto e de Direito para acusação, no que toca aos “desfalques” que exercem, consta, com impunidade.

E até seria interessante o Ministério Público explicar ao povo português se analisou, e quais os resultados, os tentáculos de Oliveira e Costa na finança portuguesa, quem beneficiou e quem prejudicou, quantos Oliveiras e Costa existiram e ainda existem em Portugal, se já foram investigados e acusados ou não, e como se explica a coincidência do ex-BPN ter ido parar a Angola e à família Dos Santos, via BIC e via “rainha” Isabel – uma “rainha” pouco santa, segundo consta. E se os ex-banqueiros que entretanto foram acusados e/ou condenados, posteriores a Oliveira e Costa, já cumpriram pena, algum tipo de pena. Ou não.

E se tal não acontecer, é uma pena!

© Jorge Sá

(Jorge Sá não respeita o AO90)

(Foto retirada da Net)