Editorial 25-04-2020
Hora de Reflexão
É impossível estar-se sem estar inquieto. Isto é: vive-se num permanente estado de emergência. A verbalizar-se - com a indiferença de quem governa o mundo e entende não ser necessário dar-nos a atenção devida e merecida - sobre o que nos aflige, sobre o que nos emociona. Não, não estou a falar de “amores-perfeitos”. Estou a falar mesmo de vida, de boa-governação, de boa-educação, de bons-princípios, de "sustentabilidade", de prevenção, de boa coisa. E eu gosto de boas coisas e de coisas boas
[Ai se gosto…]
Mas, confesso, é minha convicção que algo anda mal contado, como se por se contar bem se fosse reprimido. E, também, perdi qualquer tolerância para as más-pessoas que se fingem boas-pessoas, pessoas sem valores e com dignidade pelo menos contestável, como muita da gentalha com responsabilidades nos governos de uma grande parte do mundo-grande. Entre essa gentalha há alguns presidentes de nações, pressupostamente valentes, que dizem tudo que lhes vem à cabeça como se quem os ouve não passasse de um aglomerado de patetas a ostentar um sorriso medroso e coagido. Felizmente que o “nosso” Marcelo não está entre essa energúmena gentalha.
[Quando se deve criticar, critique-se. Quando se deve elogiar, elogie-se.]
No que diz respeito ao que anda mal contado, vem isto a propósito do que se vai fazendo para branquear. Já quase se esgotaram todas as regras e, suspeita-se, não voltará tão cedo a haver exigência e qualidade como merecemos, no que toca a alguns hábitos e valores sociais, como há uns tempos - regras de valor indubitável.
O Homem, egoísta, andou desde a revolução industrial a rodear-se de tecnologia, e não deu atenção aos sinais que a natureza lhe foi dando, nem se importou com a gravidade das feridas que provocou na inofensiva natureza, para poder usufruir da tecnologia que gosta de ostentar. Aliás, o Homem a partir de determinada altura começou a pensar que já sabia tudo sobre a natureza. E isso, por vezes, é-lhe fatal. O Homem tem de perceber que jamais saberá tudo sobre a Natureza, por muito que já saiba da natureza, ou por muito que ainda venha a saber. Na verdade, a presente pandemia, que provocou o confinamento ou o isolamento profiláctico
[Como o queiram apelidar]
que poderá ser interrompido antes do tempo certo em nome da economia que urge fazer ressuscitar, é minha convicção que não será o último drama a afectar a humanidade. Quando se descobrir a vacina para combater este vírus, aparecerá outro. E assim sucessivamente. Talvez o Homem aproveite esta fase má e faça, de igual modo, uma pausa para reflexão.
O problema é que o Homem é preguiçoso e só se lembra de Deus, ou dos deuses, quando pretende evitar explicações terrenas. Por que é que todos os anos há mega-incêndios e o Homem nunca está prevenido? Por que é que o Homem não dá a atenção que devia às «energias renováveis»? Por que é que, nesta altura, o valor do petróleo disparou para valores “negativos”? Por que é que o Homem, em Portugal, não entende que se não fossem os apoios sociais a pobreza extrema rondaria os quarenta por cento da população? Por que é que cada europeu produz em média oito toneladas de lixo por ano? Por que é que o Homem finge não se recordar do Acordo de Paris e não entende de uma vez por todas os motivos materiais que estão na origem das alterações climáticas? Por que é que a poluição mundial diminuiu drasticamente nas últimas semanas? Por que é que a Europa finge viver em União?...
Agora, repare-se: quem é que mais aproveitou a inimaginável queda abrupta do preço do barril do petróleo para reforçar as suas reservas? Consta que a China, está claro - os mesmos que o mundo inteiro deixou pôr o "pé por cima", de mansinho, quase de forma incontrolável.
Haja paciência e estômago. É que Deus, ou os deuses, não têm tempo nem disposição, penso eu, para explicarem tudo.
Enquanto isso, vou caminhando pela cidade para aquietar o coração e a nostalgia, subir e descer as monumentais, ou o quebra-costas, ou a couraça de Lisboa, ou outros lugares do meu agrado. E reparo que está linda e triste, cumulativamente, a cidade. Linda porque despoluída, silenciosa quanto-baste, de rosto lavado - há muito que não a via assim, foi preciso vir um vírus lá dos confins do mundo. Triste porque gosto de encontrar na rua as pessoas de quem gosto, como os familiares ou os amigos, olhá-los nos olhos, conversar com eles com os olhos - e eu não sei quando será permitido poder voltar a fazê-lo sem medos, de sorriso nos lábios, sem máscara.
Feliz Dia da Liberdade para todos.
© Luís Gil Torga
(Luís Gil Torga não respeita o AO90)
(Foto retirada da net)