O EPITÁFIO DE DANTE

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A questão era que as palavras já não brilhavam. Tinham perdido viço, cor, sentido. Uma palavra só tem sentido quando brilha. Agora parecia ser um som amorfo, uma espécie de tosse, um cuspinhar de sílabas.

O mundo desarticulara-se. Tornara-se distante dele mesmo. Era agora uma clausura, habitada por janelas ogivais sem menestrel. O mundo era agora um espaço desencantado.

O amor passou a ser encarado como um fardo. No limite, o que os seres humanos queriam era que os deixassem em paz. Em paz e a boiarem no silêncio das águas.

A questão é que num mundo de máscaras cirúrgicas, de medos incandescentes, de distanciamentos, de solidões besuntadas com gel desinfectante, já não há lugar senão para o epitáfio de Dante: "Vós, que entrais, abandonai toda a esperança" .

Amadeu Homem