Recordando Moçambique
Parece estranho que nesta altura em que a comunicação social transformou a nossa casa numa sala de espera de hospital, não nos deixando espaço para nenhum outro pensamento a não ser a doença, a doença, a doença, e nos intervalos dizer mal do António Costa, que eu uma pessoa razoavelmente lúcida apareça com uma proposta destas.
Vou contar-vos uma história verdadeira que vivi e com que aprendi nesse país magnifico que é Moçambique. Era o tempo em que o político extraordinário que se chama (é mesmo o indicativo presente que eu quis usar) Samora Machel ainda estava vivo.
O país estava com fome. E as pessoas começavam a desanimar.
O Samora fez um discurso ao seu povo que o ouvia com enorme paixão. E pediu-lhe que naquele retangulozinho de terra que mesmo as casas pobres têm na cidade, plantasse flores. Pediu que ocupassem um bocadinho do seu tempo a produzirem beleza, esperança, futuro. Ele não pediu que plantassem legumes ou feijão. Pediu que se entretivessem com alguma coisa que não parecia de primeira necessidade. E era.
Passado pouco tempo surgiu outro desafio que vinha do Presidente Samora. "Vamos todos no próximo domingo na zona de Maputo que encima a praia, ensinar aos nossos filhos pequenos ou aprender com eles, a lançar o papagaio de papel .(Acho que não é assim que se chama lá ) E se eles já souberem vamos só divertir-nos."
As crianças pareciam voar com os papagaios de papel. Papel colorido, papel de jornal, papel de embrulho, pardo, tudo voava.
Cá em baixo muitas pessoas vieram ver. Inclusive a Graça Machel que sorria com os olhos cheios de luz.
E o céu de Maputo nunca foi tão bonito como nesse domingo à tarde.
E agora, vá lá, um bocadinho de vaidade: a ideia desta enorme festa foi dum português. Álvaro Belo Marques, o jornalista e escritor, inspirado, divertido e bom que Samora Machel sabia ouvir e atender muitas vezes. E com quem o vi a passear de mão dada nessa tarde, com os olhos postos no céu.
Precisamos às vezes de repensar certas frases feitas. Estou a falar de "bens de primeira necessidade". Estou a falar de ternura. Estou a falar de arte.
Maria do Céu Guerra
In Esmeralda Maria Botto An