Uma mosca sem valor

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Ao que parece, a bosta que o burro de Nova Iorque tem andado a fazer, enquanto semeia ódio no mundo e na pátria de Lincoln e Luther King, começa a atrair hordas de insetos horríveis ao curro caiado de branco de Washington D.C.

Primeiro foi o escaravelho-vermelho a destruir duas frondosas palmeiras no jardim onde o asno fedorento se espoja suado durante o verão.

Conta o pombo-torcaz que a Sala Pentagonal, onde ele costuma enxaguar o bandulho com lixívia Neoblanc, está transformada numa pocilga.

As moscas que enxameiam o estrume nauseabundo começaram por ser acolhidas com simpatia pelas mandíbulas de uma vespa-asiática.

Só que o jerico, irado, esborrachou a vespa refugiada com um coice.

Não, não vos falo de “A Metamorfose”, novela em língua alemã que Franz Kafka deu à estampa em 1915.

Também não está aqui em causa o languinhento filme de terror “A Mosca”, de 1986, realizado pelo canadiano David Cronenberg.

Certo é que, num debate promovido há 24 horas em terras do Tio Sam, o vigilante pombo-torcaz avistou uma mosca-varejeira, azulada, feliz da vida, em cima do cabelo de um candidato de segunda linha que, embora não pense, aplaude o bronco do Bronx sempre que este abana o rabo ou quando faz gargarejos com creolina para eliminar eficazmente a fauna microbiana que lhe entope o gorgumilo em tempo de pandemia.

A mosca da roupa suja a retalho, aliás do varejo (diria na Tijuca o capitão do gatilho, comparsa fluminense do empreiteiro nova-iorquino), alapou-se na cabeçorra enfarinhada do bicho.

O inseto pegajoso esteve uma eternidade sob os holofotes televisivos.

Mesmo parado, correu mundo em menos de um ai!

Talvez o seguidor do jumento-mor nunca tenha ouvido falar do cauteleiro algarvio António Aleixo, nem da sua veia poética para dizer verdades a rir, premonitórias, através de quadras populares como esta:

Uma mosca sem valor

Poisa com a mesma alegria

Na careca de um doutor

Como em qualquer porcaria.  

 

Casimiro Soares Simões