Vaticano muda linguagem humilhante e agressiva aos padres que pedem dispensa do celibato

 

 El Papa, con un grupo de curas casados

Foto: Francisco com Famílias de Padres casados, nos arredores de Roma / RD

Este Site e os Padres casados do mundo inteiro, vimos seguindo, desde a década de 70 a linguagem nada cristã e bem pouco humana usada pela Cúria romana quando, às vezes depois de mais de 20 anos de espera, resolve dar a Dispensa do Celibato e obrigações conexas, ao padre que pediu para sair do ministério.

Temos versões de Rescritos (é o nome técnico do documento) desde Paulo VI até ao papa Francisco e notamos, com a publicação da recentíssima versão atual, ordenada por Francisco,  a evolução da linguagem usada e a visão de Igreja e de Padre casado subjacentes a essa linguagem.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Finalmente,

  • depois de muitas críticas à demora nos Processos de Dispensa do Celibato e à linguagem agressiva, deprimente e desrespeitosa desses Rescritos,
  • tivemos, desde 2015, com Francisco, em cartas respondidas por ele e em recados enviados por amigos e amigas comuns,
  • acenos de que o assunto Padres casados estava na sua agenda,
  • mas que tivéssemos paciência, pois havia, muitas coisas também importantes e urgentes para serem resolvidas antes.

Ao mesmo tempo, Francisco, no espírito e na letra do número 200 do Documento de Aparecida , de que ele foi um dos Revisores finais,

“Levando em consideração o  número de presbíteros que abandonaram o ministério, cada Igreja particular procure estabelecer com eles relações de fraternidade e mútua colaboração conforme as normas e preceitos da Igreja”.,

mandou-nos recados por nossos enviados e por bispos amigos da Argentina e do Chile: 

“fiquem unidos, vossa luta é importante, não se dispersem, pois vossa hora chegará”.

Temos notícia certa de que vários colegas ou grupos de colegas do Brasil, da Argentina e do Chile, e também grupos nacionais de Padres casados e as Federações Latino-americana e da Europa,

  • têm enviado várias cartas a Roma, pelo menos desde João Paulo II,
  • solicitando o celibato opcional
  • e, para quem assim o desejar, a volta ao ministério.

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JP II – Foto Reprodução

De João Paulo II sabemos que:

  • Endureceu muito as normas para a concessão da dispensa, na Páscoa de 1979.
  • O que com Paulo VI demorava 6 meses, com João Paulo II, chegou a demorar 27 anos.
  • Foi muito malcriado com os Padres casados do Brasil, ao rasgar e jogar no chão, sem a ler, uma carta dos Padres casados de Fortaleza, entregue a ele pelo então arcebispo, o cardeal Aluísio Lorsheider, a quando da primeira visita dele ao Brasil em 1980.

A “NOVELA” DA MINHA DISPENSA

Ainda no tempo de Paulo VI, em setembro de 1978, pedi Dispensa do Celibato, enviando o Processo ao Vaticano através da então  minha Congregação.  Me disseram que em cerca de seis meses meu pedido seria atendido seria atendido.

Mas Paulo VI morreu e assumiu João Paulo II. Na Páscoa de 1979 ele endureceu muito as normas de concessão de Dispensa do Celibato. Meu processo, já no Vaticano havia seis meses, foi julgado pela norma posterior mais dura.

Na prática, foi engavetado até eu fazer 50 anos, e a resposta só chegou 13 anos depois de pedido. Esperei de 1978 até 1991.

Depois de várias tentativas explícitas, da Cúria romana e da Nunciatura de Brasília, para que eu mentisse, para poderem apressar a concessão da dispensa. Guardo ainda os documentos comprovantes de toda essa “novela”, onde o importante era resguardar a instituição cúria romana e seus “santos princípios” e não os direitos da pessoa humana.

Queriam a toda a custa, que eu dissesse

  • que  talvez os Superiores não souberam me avaliar bem,
  • que talvez eu não sabia bem o que fazia quando fui ordenado,
  • que talvez fui influenciado pela “revolução” francesa de 1968. Mesmo eu tendo sido ordenado em 1967.

Neguei com firmeza todas essas hipóteses e

  • confirmei que eu saí porque assim o resolvi livremente,
  •  depois de um bom tempo de discernimento,
  • se bem que com bastante sofrimento,
  • pois nunca duvidei da minha vocação e gostava muito do meu sacerdócio e da vida pastoral.

Depois tentaram me dizer, através da minha ex-Congregação, que eu era um bom padre e que não devia ter saído. Ora eu já estava casado e tinha duas filhas de 6 e 7 anos. Mesmo assim me perguntaram se eu não queria voltar para a Congregação e o ministério.

O Vigário Geral de então, constrangido, chegou a me pedir desculpa por ter de me transmitir essa estranha mensagem do Vaticano que contradizia todos os argumentos usados por eles anteriormente, para me negarem  na tentativa de me dobrarem. Acalmei-o, dizendo que “mensageiro não merece castigo pela mensagem que transmite”

Aí eu, então professor de Ética na universidade, me zanguei e respondi com uma carta muito dura, dizendo que tinha responsabilidades com minha Família e que essa proposta era desonesta, profundamente imoral.

A não ser que eu pudesse voltar ao ministério junto com minha Família…

E terminei minha carta, enviada através da minha ex-Congregação, que tinha apresentado e seguia meu processo no Vaticano, com um palavrão em dialeto milanês:

“Digam ao Vaticano que … Dite al Vatican di andá a fá …”

Foi um santo remédio: pouco tempo depois chegou o já não esperada Dispensa.

  • E casamos na Igreja cheia, com missa cantada em gregoriano, pelo nosso coral e com três ou quatro colegas concelebrando.
  • Tudo o contrário do que “obrigava” o Rescrito”, abaixo:

“4. No que se refere à celebração do matrimônio canônico, apliquem-se as normas do Código de Direito Canônico. O Ordinário deve, no entanto, providenciar para que tudo se faça de modo prudente e discreto, a cerimônia seja realizada com cuidado, sem pompa nem aparato”. 

  • Mas de acordo com nossa liberdade de consciência e aceitação de nossa paróquia e diocese onde éramos bem conhecidos e bastante engajados.

 

BENTO XVI E FRANCISCO

Com Bento XVI, não houve mudanças significativas, a não ser alguma maior rapidez na concessão da Dispensa.

Com o papa Francisco, as esperanças ressurgiram e ele nos disse desde o princípio que estávamos na sua Agenda e que esperássemos mais um pouco, com paciência e permanecendo unidos.

Além de responder a algumas cartas direta ou indiretamente,

  • Francisco visitou, nos arredores de Roma,
  • algumas Famílias de Padres casados, no contexto do Ano da Misericórdia.
  • Ainda era pouco, mas já era um sinal concreto.

Entrementes, várias Conferências episcopais e vários episcopados nas visitas ad limina, iam falando com ele sobre o assunto.

E vários teólogos

  • iam  e vão escrevendo sobre a oportunidade do celibato opcional
  • e perguntando porque a Igreja, com tanta queda no número de sacerdotes,
  • com os Seminários vazios, e com tantos cristãos sem Evangelização e sem Eucaristia, fonte e ápice de toda a vida cristã,
  • se dava e se dá ao luxo  de desprezar cerca de 150.000 padres casados em que tanto tinha investido,
  • e de não aproveitar a capacidade e a boa vontade de tantos deles que gostariam de voltar ao ministério e ajudar.

Por seu lado, os Padres casados, desde o fim da década de 70,

  • vêm se organizando em grupos nacionais, em Federações continentais e em Confederação mundial:
  • se animando, buscando e acolhendo os que vão saindo,
  • fazendo Encontros Nacionais e Internacionais
  • pesquisando e escrevendo sobre o Celibato Opcional
  • e provando a falta da fundamentação bíblica e teológica para o Celibato Obrigatório,
  • bem como questionando a fraca e tão repetida afirmação da “grande conveniência do Celibato para o Sacerdócio”.

De há uns 20 anos para cá,

  • a explosão do tsunami dos muitos e graves abusos sexuais na Igreja, em todos os continentes, incluindo bispos e cardeais,
  • bem como a certeza de que a homossexualidade está muito entranhada no clero e nos seminários, inclusive no Vaticano onde se fala abertamente de um forte e organizado lobby gay, atuante inclusive na nomeação de bispos para o mundo inteiro,
  • vem fragilizando muito toda essa retórica da “grande conveniência do Celibato para o Sacerdócio”, que não convence mais.

FINALMENTE UM SINAL DE ESPERANÇA

Nestes dias, para nosso espanto,

  • quando as esperanças de que o papa Francisco iria fazer alguma coisa pelo Padres casados quase se tinham desvanecido,
  • explode a “bomba”: o Vaticano modifica ampla e profundamente os termos do RESCRITO de Dispensa dos Padres Casados.

E logo nas vésperas do Sínodo da Amazônia,

  • onde também  se vai discutir sobre a oportunidade de ordenar homens casados
  • para garantirem a Eucaristia e os demais Sacramentos aos Ribeirinhos e aos numerosos  Povos da Floresta, e espiritualmente desassistidos devido à falta de sacerdotes e às grandes distâncias.

Abaixo,

  • para podermos comparar a linguagem e as ideias de Padre que pede para deixar o ministério, de Igreja e de Mundo, a ela subjacentes,
  • vão duas versões do RESCRITO.
  • Como era até agora e como ficou daqui para a frente.

Muito mais humana, muito mais eclesial, muito mais respeitosa aos Padres que resolvem deixar o ministério.

  • E nós do regime do velho e pouco respeitoso modelo de Rescrito,
  • que com seus termos e estilo nos fazia nos sentirmos como que jogados para a sarjeta da Igreja, com menos direitos que os leigos,
  • nós que tanto fizemos pela Igreja, e que tanto por ela fomos esquecidos e até desprezados
  • mesmo assim, nos sentimos  seus membros e seus filhos e a continuam a amar.
  • E, se ela quiser, muitos estão dispostos a continuar a servi-la, pondo seu tempo e suas capacidades a serviço do Povo de Deus.

Estamos cientes que muitos, no passado e também no presente, sequer se dão ao trabalho de solicitar a Dispensa das obrigações decorrentes da ordenação. Simplesmente deixam o ministério e nunca mais ligam para a Igreja. Alguns até se escondem no anonimato, sendo que alguns chegam a renegar  o seu sacerdócio.

Segundo dados oficiais do Setor de Estatística do Vaticano, o O Anuário Pontifício 2018 e o Annuarium Statisticum Ecclesiae , informa que o Vaticano deu 65.000 dispensas do celibato desde o fim do Concílio Vaticano II.

Como muitos dos colegas que deixam o ministério, por vários motivos não chegam a pedir a Dispensa Canônica do Celibato, não é difícil chegar à estimativa do número de 150.000 padres casados que deixaram e continuam a deixar o ministério.

Os padres da ativa, hoje são cerca de 420.000.

No Brasil, num dos nossos Catálogos periódicos (já fizemos 4 até agora),

  • chegamos ao número de 2.131 famílias de Padres casados cadastradas.
  • Tendo em conta que muitos se escondem, ou não foram encontrados, ou não permitem a publicação de seu nome em nossas Listas do  Movimento das Famílias dos Padres casados do Brasil – MFPC -,
  • também não é difícil projetarmos o número aproximado de 7 a 8.000 Padres casados do Brasil.

Nossas tentativas de diálogo com os bispos diocesanos, excetuadas algumas exceções, não tem sido fácil. Dá a impressão de que somos uma pedra no sapato deles. E de que nossa existência os incomoda e questiona. Ainda são, na maioria, da “lavra” de João Paulo II e de Bento XVI, os que queriam esvaziar o Concílio Vaticano II e voltar para a “grande disciplina” de Trento até Pio XII. Mas há também alguns bem abertos, fraternos e acolhedores.

 

João Tavares

Editor deste Site

Do setor de Comunicação do MFPC

e Vice-Presidente da Federação Latino-americana de Sacerdotes casados