A Madrinha Velha

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 Na minha terra, quase todos em garotos tínhamos uma Madrinha Velha, sem por isso deixarmos de ter a verdadeira, aquela que na pia da água benta nos fez o Sinal da Cruz. Muitas vezes chamávamos também Madrinha Velha à mãe daquela, e a alguma tia, geralmente muito devotada à Igreja, que tivesse ficado por casar. Esta dupla de madrinhas tinha a ver com o folar que umas e outras sempre nos davam quando lhes íamos pedir a bênção: dê-me a sua bênção pelo amor de Deus, Madrinha Velha, ou tão só minha madrinha se era a do baptismo.

 Curiosamente não havia o Padrinho Velho, pois aí os respeitos eram outros! Também eu tive uma Madrinha Velha, uma tia solteirona que toda a vida enfeitou o altar da Senhora das Dores e que, para além de uma dúzia bem contada de afilhados verdadeiros, tinha mais de trinta emprestados que correspondiam ao número de sobrinhos, todos lhe chamando Madrinha Velha. Aqueles, os verdadeiros, recebiam um bolo enorme, tão grande que às vezes, em pequenos, não podíamos com ele. Os dos outros eram ligeiramente abaixo, a não ser que esses afilhados adoptivos fossem já crescidos ou mesmo casadoiros e então levavam um que se visse, até à altura em que constituíam família.

A tia Maria das Lágrimas era esse o nome porque era conhecida a minha Madrinha Velha, perante tão grande número de gente a pedir-lhe a bênção pela Páscoa, começava a cozer as fornadas às Quintas Feiras Santas ao fim da tarde e ia até domingo de manhã. Tinha sempre a ajudá-la nessa tarefa a tia Maria das Pernas Gordas que era dos Tomezes, e recordo-as a partirem dúzias e dúzias de ovos, que com outros ingredientes juntavam à tanta farinha e açúcar que a seguir amassavam nos grandes alguidares de barro e nas gamelas da broa, que então ficavam a apanhar a quentura do borralho, tapados com os xailes semaneiros e as cobertas de farrapos. Este propósito tinha como finalidade não deixar que a massa amuasse  para levedar mais depressa, não sem antes lhe terem feita uma cruz, e à mão de Deus Padre terem dito: que Deus te dê a virtude, que eu cá fiz o que pude. O sinal evidente de que os bolos iam ser cozidos aqui ou acolá, tinha a ver com o pinheiro verde, tipo varola, acabado de cortar num qualquer pinhal para roleiro, e que, por esta altura sempre passava às costas do homem da casa com o fim de roleirar o forno, ou seja, para virar e revirar a lenha e espalhar o brasido por todo ele. Daí ter de ser verde, para não arder no decurso desta operação.

Quando ao momento de pedir a bênção e receber o folar, tal devia acontecer depois dos bolos terem sido benzidos, ou seja, após o senhor prior ter espargido a água benta na sala onde estava a mesa posta e o juiz de Igreja ter dado a Cruz a beijar.

Imagem retirada da net

                                                                                                                                                                                                                                         António Castelo Branco