BALLET ROSE QUE OS CRAVOS AINDA NÃO LIMPARAM

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No dia 10 de Dezembro de 1967, a ditadura de “brandos costumes” e de “país organizado” pelo Estado Novo de Salazar, é abalada com notícias no estrangeiro sobre um hediondo esquema de pedofilia, prostituição e abuso de menores envolvendo altas figuras que davam rosto ao Estado Novo: o caso “Ballet Rose”.
Volvidos cinquenta e sete anos sobre este caso, pouco ou nada se esclareceu. Nem mesmo a revolução de Abril, com o regime morto e enterrado, conseguiu acertar contas com este escândalo e com os seus protagonistas.

Numa época em que algumas pessoas ainda consideram o Estado Novo de “boa organização de Portugal” (muitos dizem-no pela calada), para isso basta ver quem venceu o concurso organizado pela RTP sobre os maiores portugueses de sempre, em Março de 2007. Onde Salazar, que governou Portugal em regime de ditadura durante cerca de quatro décadas, derrotou entre outros, o rei fundador, D. Afonso Henriques (que ficou em 4º), bem como figuras que ganharam lugar cimeiro em compêndios de história ou de literatura universais, como Vasco da Gama (o menos votado dos dez finalistas), Infante D. Henrique (7º), Camões (5º) e Fernando Pessoa (8º). Provando que mesmo depois dos cinquenta anos do 25 de Abril de 1974, a Democracia ainda está muito longe de ser consolidada.

Por isso O Ponney lembra que na altura (tal como hoje) a política do Estado Novo consistia num mecanismo que proibia falar sobre o assunto. Falar do que estava a acontecer em Portugal era ir “contra a Nação”. Ainda hoje, se tenta calar quem critica os regimes políticos, com argumentos como “difamação pessoal”, “falar mal do país ou da cidade”, ser “maledicente” e por isso se deseja calar quem aponta erros.

Mesmo quando os nomes das festas eram do género "Caça à Lolita no Jardim do Ministro", com descrições detalhadas de festas, nas quais participavam altos dignitários do regime, em hediondos crimes de pedófila sexuais com crianças, conduzidas para a prostituição pelas suas miseráveis mães. Um desses “jogos”, consistia em colocar as crianças a dançar com vestidos transparentes, às vezes desnudas, debaixo de luzes rosáceas, perante uma elite geriátrica, cada um com uma fitinha de seda, com a cor correspondente à sua menina, com dinheiro para comprar a sua inocência, como qualquer outra mercadoria da época.

Este é o chamado “Ballet Rose” e que deveria ser reaberto o processo para que todos os nomes dos participantes, mesmo que falecidos, viessem a público. Os portugueses têm o dever de conhecer quem são os nomes dos criminosos e a que famílias pertencem.

Pelas notícias no estrangeiro surgiram nomes, que o Estado Novo tanto se esforçara para manter em sigilo e que, depois de Abril, ainda continuam por se apurar. Além de José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira (ministro da Economia e número dois de Salazar) e que foi, no regime ditatorial considerado inocente. Foi, depois deste caso, presidente do Banco Burnay, sendo compulsivamente afastado em 1975 e tendo que abandonar o país. Exilou-se em Paris onde se suicidou, passado pouco tempo, a 31 de Dezembro de 1976.

Outros nomes também foram nomeados publicamente:
- Quintanilha Mendonça Dias, antigo governador do Estado Português da Índia, à data, ministro da Marinha. Chegando a ser agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de São Bento de Avis de Portugal (16 de Setembro de 1968);

- Santos Júnior, então ministro do Interior - Foi um médico e político português com funções relevantes durante o Estado Novo. Entre outras funções, foi presidente da Câmara Municipal de Gouveia (1946-1959), governador civil do Distrito da Guarda (1959-1961), Ministro do Interior (1960-1968) e deputado à Assembleia Nacional;

- Víctor Emanuel (filho do rei Humberto II, de Itália);

- D. Henrique de Verda-Bairos, amigo do príncipe;

- Conde de Monte Real, empresário agrícola, desportista, presidente do Banco Nacional Ultramarino;

- Conde de Caria, presidente da Associação Comercial de Lisboa e administrador do Banco Pinto & Sotto Mayor;

- Conde da Covilhã, administrador do Banco Borges & Irmão;

- Rogério Silva, administrador do Banco Espírito Santo;

- Teodoro dos Santos, proprietário dos hotéis Embaixador e Estoril Sol, também concessionário do Casino do Estoril;

- Manuel Anselmo, diplomata, observador de Portugal na UNESCO, em Paris;

- John Kort Right Pringle, director da Companhia Mineira do Lobito;

- Manuel da Silva Carvalho, corretor da Bolsa e administrador da Companhia Industrial de Portugal e das Colónias;

- Alípio Antero e João Antero, gerentes da imobiliária Confidente.

Muitos destes nomes nunca viriam a ser pronunciados, apesar de surgirem nos jornais estrangeiros. Os que foram a julgamento, no regime ditatorial de Salazar, foram absolvidos. Porém, depois do 25 de Abril de 1974 ainda fica por apurar a verdade sobre o envolvimento destas pessoas num dos crimes mais hediondos.

Com Portugal imerso na pobreza, os poderosos moviam-se noutro círculo, ainda que se aproveitassem dessa miséria que eles próprios ajudavam a criar. Por isso era habitual terem casas postas a mulheres "alternativas".

Também habitual possuir como objeto “meninas por conta”, pagando-lhes os estudos que de outra maneira elas não teriam, mas cobrando-lhes sempre cara a instrução. O grupo de pessoas com poder, muitos com netos com a idade das suas secretas meninas, não era menos elitista no deboche, frequentando casas da especialidade, sempre geridas com a maior descrição por cortesãs que enriqueciam, à custa de uma rede de mulheres desesperadas e das suas filhas.

O mesmo Estado Novo, que escondia os escândalos mais sujos, era o que pregava a moral e os bons costumes nos pilares de Deus, Pátria e Família, usava o poder dos tribunais e da polícia para calar quem os criticava. E esse método, ainda que mais discreto, ainda tenta prevalecer.

Esta é ainda a maior perversão que subsiste em Portugal, a demonstração inequívoca de como uma certa moralidade, um certo preconceito, um certo medo, o nepotismo, que rastejam por entre uma revolução, instalando-se no regime democrático sob o disfarce de “moderação”. Talvez seja isso o que melhor define uma enorme teia de poder, enraizada no manto diáfano da ditadura de Salazar.

Meninas com oito, nove, dez anos, às mãos de uns quantos animais vestidos com roupas caras que, mesmo perante uma certa “lei” ao serviço do Estado Novo eram perfeitos criminosos, mas, ainda assim, saindo imaculados à luz de um “puritanismo”, onde desempenhavam a sua posição de grandes figuras com poder em Portugal.

O que sempre incomodou (e ainda continua a incomodar) as cabeças frustradas dos ditadores e ditadorzinhos, é o facto de virem a público estes erros e crimes de quem usa o poder a seu serviço. Por isso Mário Soares passou o Natal desse ano (1967), menos de um mês depois da publicação da notícia do Sunday Telegraph, preso em Caxias, a pagar pelo crime de "fonte", que sempre negou. Também Francisco Sousa Tavares e Urbano Tavares Rodrigues seriam presos nesta ronda persecutória.

Restando ainda um ensurdecedor “ballet de silêncio”, trasladado da ditadura para a democracia. Mas até quando?

JAG