BOICOTE CONTRA PORTUGAL!

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O sistema científico português apoia-se sobretudo na investigação universitária. A investigação científica é uma das apostas políticas que fazem desenvolver qualquer país, que é o mesmo que dizer que no século XXI será cada vez maior a exigência de respostas para problemas que são uma ameaça cada vez mais real e cada vez mais internacional.

Percebeu-se bem a importância da investigação científica quando passámos pela pandemia; a questão ambiental e todas as suas consequências; a necessidade de aproveitamento dos recursos e identificação de novos recursos; a investigação sobre outras alternativas energéticas; o estudo de toda a natureza que nos rodeia que já ultrapassa o próprio planeta que habitamos; o entendimento da língua, da História, de quem habita e de quem se movimenta num mundo cada vez mais exigente. Está, por isso, clara a importância cada vez maior da investigação cientifica.

Se está garantida a importância da investigação científica internacional, já não parece tão clara a ideia de que só há evolução do sistema científico se houver mais investigadores a trabalhar em Portugal?

Sem investigadores, que é o mesmo que dizer sem sistema científico português, o país regride e torna-se cada vez mais dependente de países que fizeram esse correto investimento. Ora são exatamente essas contas que não estão a ser feitas pelos diversos partidos que ocuparam os governos em Portugal nos últimos anos.

Em Portugal, contrariamente a outros países onde a investigação científica está mais avançada, não há a carreira de investigador estabelecida. Não havendo carreira de investigador estabelecida, há apenas duas classificações para o profissional que vive da ciência: ou são Professores universitários e a carreira é a de Professor; ou então são investigadores precários, mesmo que tenham tido muitos projetos aprovados e que tenham cumprido com todos os requisitos de produtividade, a situação de trabalho é precária - desconhecendo o dia de amanhã.

Depois das tentativas pelo ministério da tutela e pelos reitores de excluir os precários da ciência do processo de regularização dos contratos injustamente precários na administração pública, aparece, agora, um documento enviado no início deste mês de Junho dirigido à ministra Elvira Fortunato e ao secretário de Estado do Ensino Superior - enviado pela CRUP.

Esse documento assinado por Pedro Teixeira, presidente da CRUP e reitor da Universidade do Porto, defende que "as universidades propõem que parte do financiamento que suporta a atividade dos investigadores apoiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia - FCT passe a ser transferido e regularmente integrado no orçamento das universidades".

Mantendo-se a ilusão de que o problema da estabilidade de trabalho dos investigadores científicos está a ser resolvida, quando na realidade demonstra que não só não há resolução, como acabam por dar vantagem a quem ainda ganha com esta instabilidade profundamente injusta!

Um dos casos demonstrativos é a que ao abrigo da Lei 57/2017 (que modificou o Decreto-Lei 57/2016). Tratando-se de contratos de seis anos, de dois tipos: os que resultam da Norma Transitória (NT) da lei 57/2017, que, ao transformar um par de milhares de bolsas de pós-doc em contratos a termo, reconheceu (tardiamente) a estes trabalhadores os direitos básicos da lei laboral; e pouco menos de mil contratos que resultam dos primeiros Concursos Estímulo ao Emprego Científico (CEEC), nas suas versões individual e institucional.

Recorde-se que, em 2016/2017, cerca de dois mil investigadores foram contratados a prazo, ao abrigo dessa Norma Transitória. Estes contratos somam seis anos (com uma renovação anual depois do terceiro ano) e muitos terminam no corrente ano de 2023. Continuando os investigadores a desconhecerem qual será o seu futuro laboral imediato. Não há plano de carreira, não há visão de futuro, não há continuidade da investigação iniciada e a ciência portuguesa a sofrer com isso.

É muito importante lembrar que aspirar à estabilização laboral depois de seis ou mais anos (12 no caso dos contratos da NT) é muito menos do que está legalmente obrigatório no mercado laboral, onde há obrigação de contratar sem termo ao final de três anos de consecutivos contratos.

Perante um cenário onde os governantes de Portugal empurram as soluções para as universidades e estas para os governantes aparecem ainda defesas a este sistema injusto.

As opiniões, que defendem este sistema injusto, fundamentam-se no argumento que estabilizar a precariedade dos investigadores científicos de longo prazo vai encarecer o erário público e, também, impede o ingresso de novas gerações.

A falácia destes argumentos desmonta-se quando o custo de um contrato precário, na mesma posição de carreira, é exatamente o mesmo que o custo de um contrato permanente. Dado que os investigadores científicos precários da ciência não devem sair do sistema, pois são estruturais ao próprio sistema dando know how aos novos investigadores. Anos de formação avançada e experiências acumuladas são completamente ignoradas baixando a qualidade de investigação científica.

O segundo argumento é partilhado por muitos elementos dos diversos governos, mas também por muitos reitores defendendo que a grande maioria dos cientistas continue a ser precária de forma indeterminada, enquanto que continuam a querer atrair novas gerações financiadas pela FCT.

A realidade é que há muitos Professores universitários que ganham notoriedade partindo do assédio moral que fazem, graças à precariedade dos investigadores científicos. Um investigador científico aceita colocar o nome de um Professor se a sua situação de sobrevivência estiver em causa. Só os Professores que não concordam com o assédio moral é que aceitam juntar-se à causa que defende a justiça para com os investigadores científicos precários - sejamos claros!

Hoje, há centros de investigação com 70-80% de precários criando um problema à própria ciência, pois não se pode fazer escolhas estratégicas para os centros de ciência a longo prazo se se desconhecem quais os recursos humanos que se irá ter daqui a poucos anos. É o próprio sistema científico português que está a ser boicotado.

Portugal precisa de um sistema cientifico maior e melhor, isto é, estabilizar os precários e abrir novas vagas ao mesmo tempo, pois continua a ser dos países que menos investem dinheiro público na ciência. Perante os acontecimentos que enchem jornais é difícil defender que não haja verbas para desenvolver a ciência em Portugal!

Nestas condições é muito difícil os investigadores portugueses, precários, ganharem mais bolsas do European Research Council (ERC) pois falta o investimento e a sua diversificação. Investir dinheiro é a forma para atrair dinheiro.

Se há algo que ninguém contesta no debate público é que nas últimas três décadas o sistema científico português tornou-se plenamente internacional e competitivo na Europa. Mas o argumento de que concursos internacionais mantém “só os melhores nos contratos de investigador da FCT”, provoca o êxodo dos investigadores portugueses, e não garantem a estrutura base da investigação em Portugal. Na realidade há uma constante alteração dos profissionais da ciência, a entrarem e saírem de postos que são fundamentais, sem dar continuidade nas áreas de investigação iniciada - muitas vezes com grande investimento do erário público, demonstrando mau planeamento e absoluta falta de estratégia.

O que está em causa é um bem maior do que o esgrimir de argumentos, é apenas perceber a realidade: é fundamental criar-se a carreira de investigador cientifico para criar condições para Portugal evoluir no tabuleiro do século XXI - o desenvolvimento da ciência.

AM