Em S. Martinho de Anta o rosto de Miguel Torga está imortalizado numa raiz de árvore
A raiz de um negrilho com aproximadamente três toneladas, foi o ponto de partida do artista plástico Óscar Rodrigues para ali esculpir o rosto de Miguel Torga. Hoje celebra-se o nascimento do escritor e poeta transmontano
Numa iniciativa promovida pela Junta de São Martinho de Anta, terra natal do poeta transmontano (concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real), o escultor criou a obra ‘Torga e as suas raízes’, para assinalar este ano o aniversário do nascimento de um dos mais conhecidos autores do Douro e Trás-os-Montes, que se celebra na quarta-feira.
“Tem muito mais sentido fazer esta intervenção no negrilho, árvore que ele imortalizou através da sua escrita. A alma, a essência está nisso”, afirmou Óscar Rodrigues à agência Lusa.
O trabalho foi feito ao vivo, com uma motosserra, na praça central de São Martinho de Anta, e é através de motosserras que Óscar Rodrigues dá forma à sua arte.
Na raiz com aproximadamente três toneladas vê-se de um lado o rosto de Torga, onde se percebem traços característicos do autor como o nariz longo e os lábios finos. Do outro lado, o escultor manteve as enormes ramificações que se entrelaçam.
Na peça são percetíveis as cicatrizes que o tempo deixou na raiz, como algumas partes ocas.
Através da sua obra, Miguel Torga imortalizou o negrilho de grande porte que estava situado no largo do Eirô. A árvore protagonizou, por exemplo, o poema ‘Negrilho’ e terá secado, segundo se diz localmente, no ano da morte do poeta e médico, em 1995.
O presidente da Junta de Freguesia de São Martinho de Anta e Paradela de Guiães, José Gonçalves, afirmou à Lusa que, para este projeto, ainda se tentou aproveitar o tronco do negrilho que tinha sido colocado no local original, numa base de cimento.
No entanto, explicou, verificou-se que o tronco “estava já podre”, pelo que foi decidido usar a raiz. “A ideia foi reaproveitar o pouco que ainda existia e onde se conseguiria fazer alguma coisa para homenagear o poeta e o próprio negrilho”, acrescentou o autarca.
Rosto esculpido ao vivo
Depois da escultura estar terminada, a madeira vai ser tratada com vista à sua preservação e proteção. Será também colocada, com a ajuda de uma grua, no local onde originalmente estava o negrilho.
Óscar Rodrigues esculpe a madeira com uma motosserra utilizando a técnica de ‘wood carving’, que está a ajudar a divulgar em Portugal. “É uma motosserra normalíssima, apenas tenho uma mais pequena e afiada para fazer um detalhe mais de pormenor, específico”, explicou à Lusa.
Desde sexta-feira, dia em que o escultor começou o trabalho ao vivo, foram várias as pessoas que ali pararam para observar e fazer perguntas sobre a escultura.
Muitos visitantes chegam à terra natal de Miguel Torga guiados pela sua obra e ali é possível ver a casa onde residiu e que está a ser alvo de uma intervenção por parte da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) ou subir à capela da Senhora da Azinheira.
Em São Martinho de Anta abriu portas em 2015 o Espaço Miguel Torga, um equipamento cultural, desenhado pelo arquiteto Eduardo Souto Moura, que tem como missão principal a divulgação da obra escritor transmontano.
O escultor disse que se associou à homenagem porque é também um admirador da forma de escrita “pura e dura” do escritor.
Óscar Rodrigues nasceu em 1981, natural de Vila Pouca de Aguiar, é licenciado em Artes Plásticas-Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Participou em diversas exposições de carácter colectivo e individual, em Portugal e no estrangeiro.
Colaborou em projectos culturais e artísticos, em parceria com o município de Vila Pouca de Aguiar no povoamento e dinamização de espaços públicos e da Casa da Cultura do concelho. Em 2007 elaborou uma escultura pública no âmbito do III Encontro Micológico do Alto Tâmega e em agosto de 2008 executou uma escultura em homenagem ao Emigrante, em concordância com o município de Ribeira de Pena.
Desde 2019 é responsável pelo ‘Atelier d’Or’, um inovador espaço dedicado à arte criado na Quinta da Pacheca, em Lamego.
O projeto foi concebido para que os visitantes pratiquem a sua veia artística, da pintura à olaria, do azulejo à escultura, e marquem para a posteridade a sua passagem pelo Douro e pela Quinta da Pacheca.
In Mundo Português – 50 anos (12 agosto 2020)
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