Histórias da Carochinha
A tão esperada Proposta de António Costa e Silva foi nos últimos dias conhecida.
O tal Super-Gestor, a quem o Primeiro-Ministro incumbiu de desenhar a visão estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal para a próxima década, fez o diagnóstico da crise que assola o País e propôs uma série de investimentos estruturais, capazes de conseguir o milagre de, em seu torno, unir todos os portugueses, independentemente de predilecções ideológicas ou partidárias.
Seria perfeito o dito Plano… não fosse o caso de aquelas 120 páginas se assemelharem a uma infantil lista de desejos para o Natal.
Mais ou menos vezes, já todos assistimos ao entusiamo com que as crianças, animadas pelo frenesim natalício, vão engrossando as listas de pedidos que enviarão ao Pai Natal, recheadas dos mais esplendorosos brinquedos, sem nenhuma consciência das preocupações que aos adultos levam o sono enquanto gizam planos que façam esticar o dinheiro que escasseia.
Em razão da sua bendita inocência, sabem lá aqueles catraios quantos quilos de arroz ou litros de leite vale o último modelo da Barbie ou do ActionMan…
Pois bem (ou, pois mal), o dito Plano extravasa candura semelhante.
António Costa e Silva, o propagandeado suprassumo da Gestão, não apresentou qualquer ponderação dos custos associados à concretização das suas propostas e nem das escolhas que a sua implementação exigiria, como se de bagatelas se tratasse.
De ora em diante, aguardemos pelo anúncio da fórmula mágica que possibilite o milagre da multiplicação dos dividendos da nossa economia ou, então, rasgue-se aquela lista antecipada de sugestões de Natal e substituam-se as prendas nela anunciadas por mais uma historieta da Carochinha:
“Era uma vez um Chefe de Governo que fez sonhar os portugueses com um brilhante Plano de Recuperação, uma espécie de milagroso livro de receitas que ajudasse a transformar vulgares sardinhas em lata e pão seco em apetitosos pâtés capazes de competir com as mais suculentas ovas do mais selvagem esturjão ou com os mais delicados foie gras. Para isso arranjou um Super-Chef que lhes encheu os olhos com um conjunto de receitas de fazer crescer água na boca… Sucedeu, porém, que os portugueses não puderam pagar alguns dos ingredientes que aquelas iguarias não dispensavam e – vai daí – não chegaram a pôr a vista em cima e nem a enterrar o dente em tão grandes pitéus. Uma pena, de facto, já que os ditos petiscos pareciam ser de comer e chorar por mais… mas, na verdade, os portugueses sempre foram conhecidos por gostarem muito de sardinhas.”
E, em suma, assim foi: os Antónios Costas – Chefe de Governo e Super-Gestor – puseram os portugueses a salivar para nada, já que, cientes da penúria em que nos encontramos, bem sabiam que não chegaríamos a provar o caviar e nem o fígado de pato.
Parece pura perfídia, mas talvez tenha sido, tão-somente, mais um retrato do “Portugal” que Jorge Sousa Braga tão bem retratou no seu livro de estreia, “De Manhã Vamos Todos Acordar Com Uma Pérola No Cu”. Vale a pena conhecer o poema – asseguro-vos – e, por isso, aqui vos deixo uma pequena amostra:
“Portugal,
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos.
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao Norte de África
Só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
E nunca mais voltasse?
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
Que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
E o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente (…)
Portugal,
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
Mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado (…)
Pergunto a mim mesmo.
Como pude apaixonar-me por um velho decrépito e idiota como tu (…)
Portugal, estás a ouvir-me?”
No final, porventura para lhe dar consolo pelas dores que o atentam, resta ao poeta minhoto (e também a mim) o desejo de beijar Portugal, muito apaixonadamente, na boca.
E a mim – confesso – ainda me restam, também, a ilusão do Natal, o gosto por histórias da Carochinha e o desejo de uma boa petinga…
Haverá tragédias maiores, julgo!
Filomena Girão
Advogada