JESUITAS PORTUGUESES NO TIBETE

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A única prova arqueológica

Já aqui falei muitas vezes dos padres Jesuítas Portugueses que foram os primeiros ocidentais a chegar ao Tibete, numa odisseia descrita na 1ª pessoa pelo próprio Padre António de Andrade na sua carta “Novo Descobrimento do Gram Cathayo, ou Reinos de Tibet”, escrita no ano de 1624.

António de Andrade chegou a Tsaparang, capital do reino de Guge, no Tibete, em 1624, tendo sido muito bem recebido pelo Imperador Chodackpo, o último monarca do Guge. Sendo este monarca muito curioso, estabeleceu uma excelente relação com os nossos Jesuítas ao ponto de os deixar construir uma missão e uma capela em Tsaparang, que no entanto nunca foi finalizada, devido à instabilidade política e as guerras constantes entre Chodackpo e o seu irmão Abbot , chefe religioso do mosteiro de Tholing, a 30 Km da cidade de Tsaparang.

O mosteiro de Tholing era o mais importante e influente mosteiro Budista de todo o Tibete. Desde os tempos ancestrais da rota da seda que a família imperial e o Rei Chodackpo transformaram Tsaparang numa cidade cheia de riquezas que proporcionava uma vida opulenta aos seus habitantes, possuíam uma incomensurável riqueza em ouro e outras preciosidades. Logo, eram objecto constantes de invejas e da ambição de outros povos do Tibete. E um dos que mais cobiçava Tsaparang era o próprio irmão do Rei Chodackpo, o monge Abbot.

Após muitas contendas, Tsaparang terminou cercada e conquistada em 1630, de uma forma tão brutal que nunca mais foi habitada, permanecendo deserta até hoje. Ora alguns arqueólogos acreditam que a “heresia” decorrente do trabalho de conversão ao Cristianismo feito pelos nossos Jesuítas com a concordância do Rei Chodackpo, teria sido o mote para Abbot arregimentar um grande exército, vindo do Laddhak, que viria a por fim ao Reino do Guge e a Tsaparang, com o assassínio de toda a família Real de Chodackpo incluindo o do seu próprio irmão. Obviamente que a “heresia” praticada pelos habitantes e pelo Rei de Tsaparang ao aceitar o Cristianismo foi apenas uma desculpa para a ambição de poder por parte de Abbot. Até porque o Budismo, sendo uma filosofia ateísta, permite que os seus membros possam ser devotos de um Deus qualquer, não sendo difícil encontrar em qualquer templo Budista estátuas de Shiva, de Vishnu e outros deuses Hindus ou até figuras Cristãs.

Em 1985, uma equipa da Universidade de Xiang, na China, descobriu algo incrível, até agora a única prova arqueológica da presença dos nossos Jesuítas em Tsaparang. Tsaparang situa-se sobre uma elevação montanhosa e possui uma intrincada rede de túneis, utilizados para diversos fins. Num desses túneis, foram encontrados muitos cadáveres humanos decapitados, acredita-se que tal aconteceu após a tomada da cidade pelos invasores, não se sabendo se entre os cadáveres se encontram os da própria família real, que se rendeu ao fim de um longo cerco da cidade. Mas, entre os cadáveres, os investigadores Chineses descobriram uma antiga máscara que continha muitos pedaços de papel escritos numa linguagem estranha.

Ora ao fim de uns meses e com a ajuda de elementos da Sociedade Cristã de Pequim, descobriram que as inscrições eram feitas em Português arcaico e não eram mais nem menos que pedaços de uma Bíblia dos nossos Jesuítas.

E porque teriam utilizado os Budistas pedaços de uma Bíblica na construção da máscara? A resposta é fácil e óbvia. Já aqui vos falei das “prayer wheels”, aqueles cilindros de oração utilizados por eles nas suas práticas religiosas, em cujo interior podemos encontrar muitos pedaços de papel com inscrições em Sânscrito do “Om Mani Padme Hum”, o mais sagrado dos mantras Budistas. No Tibete é costume incorporar pedaços de escrituras sagradas em qualquer objecto religioso ou amuleto. Pelo que o trabalho do nosso padre Jesuita António de Andrade e do seu companheiro Manuel Marques teve alguns frutos, os habitantes de Tsaparang consideravam a Bíblia Cristã como um texto sagrado poderoso, ao ponto de usarem pedaços da mesma para se protegerem dos inimigos e do mal, incorporando os pedaços da bíblia na máscara. Mais um dos muitos episódios de sincretismo religioso.

Da missão Jesuíta em Tsaparang nada resta, ou pelo menos nada mais foi encontrado. Além de nunca ter sido concluída em virtude da instabilidade política e da guerra entre Chodackpo e o seu irmão Abbot, o que dela restou foi completamente destruído após a tomada de Tsaparang. António de Andrade abandonou Tsaparang e não regressou, pois em 1630 Tsaparang foi destruída. Manuel Marques retornou em 1630 mas desapareceu sem deixar rastro. Supostamente terá sido morto, tendo no entanto os seus captores permitido que ele escrevesse uma última carta para a Companhia de Jesus. Não sei se a mesma chegou a Roma, se sim poderá estar no Archivum Romanum Societatis Iesu, no Vaticano ". 

Rui Pires

In Pedro Dias